A demagogia da floresta grátis

O artigo a seguir saiu publicado no Estadão de hoje. Aqueles que lerem perceberão o paralelo com o Código Florestal. A analogia é bastante didática.

A demagogia do lote grátis
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20071119/not_imp82114,0.php

Alegando a necessidade de reduzir o déficit habitacional em Goiânia, o prefeito Iris Rezende (PMDB) alterou a lei de parcelamento do solo da cidade, obrigando construtoras e incorporadoras especializadas em loteamentos a doar cerca de 15% a 25% dos lotes por elas urbanizados para os programas de habitação popular da prefeitura. A medida deixou apreensivos os empresários do setor imobiliário, pois está estimulando políticos, líderes comunitários e urbanistas a pedirem ao Congresso que aprove uma lei federal com o mesmo objetivo.

A estratégia desse grupo é apresentar uma emenda à Lei nº 6.766. Sancionada há quase 30 anos com o objetivo de orientar a expansão urbana das grandes cidades, coibir loteamentos clandestinos e preservar o meio ambiente, especialmente as áreas de mananciais, esse texto legal disciplina o desmembramento de glebas em lotes para edificação e, desde 2000, a Câmara vem discutindo sua adequação à realidade atual.

Para os defensores da nova lei de parcelamento do solo de Goiânia, obrigar os empresários do setor imobiliário a doar lotes para programas de habitação popular é uma forma de coibir a especulação imobiliária e disciplinar "a lógica de mercado" na ocupação do solo urbano. Segundo eles, com a crescente oferta de financiamento para que a classe média possa adquirir casa própria, o preço dos terrenos irá aumentar, expulsando a população de baixa renda para a periferia. A imposição de "doações" de áreas já preparadas para edificação permitiria às prefeituras, aos governos estaduais e à União formar um "banco de lotes" para o desenvolvimento de uma política habitacional voltada para famílias pobres.

Segundo o secretário municipal de Planejamento de Goiânia, Francisco Vale Júnior, a lei que alterou os critérios de parcelamento do solo urbano na cidade também evita a apropriação, pelos proprietários, dos ganhos proporcionados pela valorização dos terrenos adquiridos para construção de condomínios. "Mesmo sem investir nada, os proprietários de grandes áreas vêem o valor de seu patrimônio multiplicar-se por até 6 vezes. Então, é justo que, nos parcelamentos, uma parte desse ganho seja revertida em favor do poder público, para ser aplicada em programas sociais", afirmou o secretário em entrevista ao jornal Valor.

Pela lei promulgada pela prefeitura de Goiânia, os lotes recebidos podem ser transferidos gratuitamente a famílias com até três salários mínimos de renda e que residam na cidade há pelo menos três anos. Cada família tem o prazo de dois meses para iniciar a construção e de dois anos para terminá-la, sob pena de ser obrigada a devolver o lote. Após cinco anos, a família poderá negociar a propriedade e ficar com o valor da venda.

Esse tipo de "política social" pode trazer menos benefícios para os pobres do que esperam seus defensores. Na verdade, não haverá "doação", mas sim uma expropriação que viola o direito de propriedade. Além disso, na prática, em vez de ordenar o processo de urbanização das grandes cidades e promover "justiça social", essa política pode agravar ainda mais os problemas já existentes. Um dos possíveis efeitos negativos é a migração de famílias pobres em busca de lote grátis, o que abriria caminho para a criação de novas favelas e a ocupação de áreas de proteção ambiental, uma vez que não há lotes para todos.

A lei também cria condições para a utilização de critérios político-eleitorais para a seleção das famílias que serão agraciadas com um lote. Foi o que ocorreu no Distrito Federal, onde o ex-governador Joaquim Roriz (PMDB) ganhou três eleições, entre 1990 e 2002, graças ao apoio recebido de migrantes que foram para Brasília atraídos pela promessa de um terreno gratuito.

O efeito mais nocivo, segundo os especialistas, será o dos empreendimentos imobiliários. Como os beneficiários dos lotes "doados" não arcarão com qualquer despesa, os custos de implantação da infra-estrutura para os seus lotes terão de ser repassados para o preço dos lotes a serem comercializados. E quanto mais alto for o preço, menor será o número de compradores de classe média. Isso sem contar a dificuldade de se vender para esse público lotes em empreendimentos contendo habitações populares.

Infelizmente, é desse modo demagógico que se faz "política social" no País.

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Qual é a diferença entre a demagogia da "política social" do Iris Rezende e a demagogia da "política ambiental" do Código Florestal?
Quem responder leva uma jujuba.

Comentários

Anônimo disse…
oi ciro,
estou fazendo pesquisa em área de preservação permanente e reserva legal. Já baixei sua dissertação de mestrado que será meu referencial teórico. Mas, estou precisando de um arquivo que está em sua página e não consegui acessar. O arquivo se refere a um instituto australiano semelhante à Reserva Legal. meu email é clallozmail@gmail.com. Se puder enviá-lo, agradeço-lhe.
Claudia
Anônimo disse…
RL e APP = reserva ambiental de interesse popular // "reserva para moradia popular" = lote de graça. Um é pra bicho e planta, o outro para bicho-homem.

A minha tem que ser de framboesa
Amazônias disse…
Olá Ciro

Estou interessado no texto "O Novo Código Florestal Brasileiro: Do Preservacionismo Desumano ao Conservacionismo Politicamente Correto", porém o link está quebrado. Tens como disponibilizá-lo em outro endereço?

Grato,

Fábio

O link atual do texto é este:
http://www.unb.br/face/eco/jmn/trabalhos/2004/novocodigoflorestal.pdf