Código Florestal Brasileiro

Artigo publicado no site Beefpoint 7 anos atrás.
Posto pra não perder o registro.
Enjoy.

[23/11/2001]
http://www.beefpoint.com.br/?noticiaID=5237&actA=7&areaID=15&secaoID=127

Nos últimos dias vem crescendo a polêmica sobre o novo código florestal brasileiro. As discussões a cerca da medida provisória do governo federal que dita as regras do novo código geralmente são tensas e as posições geralmente sectárias, o que as transforma num palanque inócuo e barulhento.

Tal barulho serve ao propósito de alguns interesses na medida em que ofusca a discussão e torna invisível o real significado das propostas tanto do governo, apoiados sem restrições por ambientalistas, quanto da comissão mista encarregada de avaliar a medida provisória, apoiada sem restrições pelos ruralistas. Esta polarização explica o sectarismo das opiniões e as posições inamovíveis tomadas pelos donos da disputa.

Soma-se a isso o fato da mídia nacional ter tomado posição na discussão distorcendo fatos, ou por ignorância, ou por interesse de lobbye’s, na medida em que passa deliberadamente à opinião pública a idéia de que o percentual estabelecido como reserva legal corresponde a fatia da Amazônia que ficará livre da destruição perpetrada pelos “agentes da ocupação predatória”.

Fixar indiscriminadamente um percentual de reserva legal para cada propriedade situada na Amazônia, tratando-a como um ecossistema homogêneo, não significa dizer que um fatia igual ao percentual fixado desse ecossistema será preservado.

Se conseguirmos nos livrar, ainda que por alguns instantes, do jugo do sectarismo, talvez possamos ser suficientemente imparciais para enxergarmos com clareza o significado na MP ora em questão. O cerne do problema não é a fatia da Amazônia que ficará de pé, e sim de quem deve ser o ônus da manutenção desta fatia.

A celeuma gerada em torno da primeira serve aos propósitos de quem deseja que a segunda não seja discutida e, com ardis de uma politicagem maquiavélica (manipulação da opinião pública por exemplo), tenciona fazer valer seus interesses.

Fica a pergunta: que interesse são esses?

Façamos uma análise rápida das conseqüências da nova lei se esta originar-se da MP vigente sem alterações. Tomemos como exemplo hipotético uma propriedade rural de 1.000ha situada na Amazônia Legal, destinada à pecuária, que tenha 100% de sua área (volto a lembrar o caráter hipotético do exemplo) integrados ao sistema de produção, e que esse sistema de produção alcance índices zootécnicos e econômicos que permitam ao empreendedor concorrer globalmente.— Vale ressaltar que certas partes da Amazônia são donas de vantagens comparativas que incomodam sobremaneira quem não as tem, sobretudo em uma perspectiva de livre comércio (qualquer relação com ALCA talvez não seja mera coincidência). Entretanto não é objetivo desse texto discorrer sobre tais partes e vantagens. Mas é inadmissível que se faça juízo de valor sobre o assunto desconhecendo-as, baseando-se apenas no estereótipo Amazônia e nos mitos que gravitam em sua órbita.

Mas voltemos ao nosso exemplo. A partir da promulgação do novo código o gestor da propriedade em questão terá duas opções; a primeira é reduzir escala, excluindo do sistema de produção 800ha relativos aos 80% da reserva legal e reflorestá-los (o que demanda investimentos que a lei não define de onde deverão vir); a segunda, é não reduzir escala e adquirir uma área de 4.000ha (obedecendo regulamentação da lei e que também demanda investimentos) correspondentes aos 80% da reserva legal dos 1.000ha (20%) utilizados no sistema de produção. — Volto a ressaltar o caráter hipotético do exemplo uma vez que existem nuances da lei ignorados na hipótese por questões meramente didáticas mas que não alteram o mérito da questão em discussão. — As duas alternativas têm resultado final semelhante. A segunda, porém, é mais didática, por isso me aterei a ela daqui por diante.

Parece óbvio que o aumento do capital empatado na atividade (através do investimento em aquisição de terras) e a manutenção dos níveis de produção e produtividade reduzem drasticamente a rentabilidade do empreendimento, tornando-o incapaz de disputar mercados, tanto internamente, uma vez que outras regiões do país têm tratamento diferenciado, quanto externamente, uma vez que os países concorrentes têm seus sistemas de produção subsidiados e não onerados. Aqueles que temem as vantagens comparativas amazônidas tranqüilizar-se-ão com a aprovação do novo código.

Em outros termos, ao mesmo tempo em que se trava uma batalha pela redução das barreiras não tarifárias impostas aos nossos produtos por outros países e blocos, notadamente Estados Unidos e União Européia, instituições não governamentais muitas vezes fomentadas por dinheiro desses mesmos países, fazem pressão pela adoção de medidas que nada mais são do que barreiras não tarifárias impostas aos mesmos produtos, desta feita no local onde são produzidos, dentro de nossos próprios limites, não mais nos limites daqueles países e blocos; barreiras impostas por nós a nós mesmos.

Por esse prisma, começa a ficar claro quem tem interesse na transformação da MP em lei e quais são esses interesses. Convém ressaltar que o fenômeno descrito no exemplo acima vale e afeta todos os clusters’s do agronegócio amazônida. Convém ainda lembrar que os investimentos e incentivos governamentais realizados na Amazônia legal visando o desenvolvimento regional vem sendo feitos ignorando a existência da MP e do risco que ela representa. Para se ter uma idéia o Banco da Amazônia S/A responsável pela gestão do Fundo Constitucional do Norte (FNO) tem vários milhões de reais desse fundo colocados em projetos que simplesmente tornam-se inviáveis sob o jugo do novo código; a Companhia Vale do Rio Doce vendeu recentemente todos os seus ativos de celulose & papel entre eles a Celmar S/A, localizada dentro da Amazônia legal e que também se inviabilizará com a promulgação da lei; os pólos de produção de grãos de Balsas-MA, já consolidado, e de Paragominas-PA, em consolidação, consumiram e consomem milhões de reais em investimentos estruturais que se tornarão inúteis ou quase da noite para o dia em que a lei for promulgada. Isso são só alguns exemplos do cataclismo que se abaterá sobre o setor produtivo da região amazônica.

Cabe aqui um alerta àqueles políticos que têm seus domicílios eleitorais na Amazônia e que estão diretamente ligados às discussões do novo código: a aprovação da proposta do governo, sem alterações, afetará drasticamente o establishment de seus estados, incluindo-se aí os próprios políticos quantos estes fazem parte daquele.

Por outro lado é preciso reconhecer que vivemos uma nova ordem mundial. A possibilidade, representada no protocolo de Kyoto, de se transformar carbono em mercadoria negociável e da migração de capitais e de tecnologia dos países emissores de carbono para os países que podem desenvolver os chamados Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) deixa o Brasil em situação bastante confortável e dilui um pouco os efeitos nocivos aos sistemas de produção amazônidas descritos acima, uma vez que possibilita a inserção das áreas de reserva legal não apenas na conta dos custos mas também na conta das receitas.

Chamo atenção no parágrafo acima, para uma palavra chave: possibilidade. O protocolo de Kyoto, é bem verdade é filho de uma força inexorável, seus efeitos nos mercados e no meio ambiente mostrar-se-ão mais dia menos dia. Entretanto, amarrar o futuro do setor produtivo amazônida e a contribuição que este pode dar à balança comercial de um país que diz “exportar ou morrer” a uma possibilidade que acontecerá, de forma ainda indefinida, mais dia menos dia é,a meu ver, suicídio. Sem mencionar o fato de que os MDL’s não contemplam projetos com floresta nativa e que o próprio Protocolo de Kyoto está enfraquecido pela recusa dos Estados Unidos em assumir os compromissos estabelecidas na reunião.

Fala-se em modelo de desenvolvimento para a Amazônia estabelecendo-se uma dicotomia entre o modelo produtivista, arcaico, contrário a nova ordem mundial, politicamente incorreto e que degrada o meio ambiente — o mal — e o preservacionista, moderno, antenado com a nova ordem mundial, ecologicamente correto e limpo — o bem. Visão simples demais para nortear decisões que afetarão a vida de milhões.A Amazônia nunca teve um modelo de desenvolvimento adequado porque todos os anteriores foram impostos a ela, à revelia de quem nela vive e ignorando quem nela vive exatamente como ocorre agora nas discussões do novo código florestal brasileiro.

Toda essa celeuma se resolve atacando-se o cerne do problema mencionado no início desse texto. O ônus da manutenção de parte da floresta amazônica não pode e não deve ser do setor produtivo, como querem as ONG’s, o que não quer dizer que ela (a floresta) deve ser utilizada para produzir grãos ou carne. A nova proposta em discussão mantém os percentuais de reserva legal, entretanto contabiliza esses percentuais por bacia hidrográfica e não por propriedade individual, o que é muito mais racional. Preserva-se ao mesmo tempo recursos florestais e hídricos sem onerar a produção.

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