O secretário de Meio Ambiente do Pará, Valmir Ortega, acenou com a redução da Reserva Legal em parte da Amazônia dos atuais 80% para os antigos 50%. Essa possibilidade foi discutida na segunda feira, 19 de março, em Belém, numa sessão especial da Assembléia Legislativa do Pará, convocada para discutir o problema do setor siderúrgico estadual.
O imbróglio surgiu quando a operação Quaresma, realizada pelo IBAMA, flagrou o uso de carvão ilegal como insumo de produção do ferro gusa naquelas siderúrgicas. Foram expedidos 30 autos de infração, 34 termos de apreensão, duas siderúrgicas foram embargadas e as multas aplicadas chegaram a R$ 12,5 milhões. A operação deixou as siderúrgicas à beira de um colapso expondo um problema grave e de solução complicada.
As siderúrgicas vêm tentando mostrar aos ambientalistas do governo que produzir carvão legalmente a partir de reflorestamento plantando apenas em 20% da área e preservando os outros 80% como Reserva Legal é economicamente inviável. Quem não é ambientalista de gabinete já percebeu sinais de verdade na alegação das siderúrgicas e os secretários do governo paraense, diante de um iminente colapso do setor e de suas conseqüências nos empregos e nas exportações do estado, ressuscitaram a redução da Reserva Legal. Não se falava nisso desde os estertores do parecer Micheletto em 2001. Mas, será que reduzir o tamanho da Reserva Legal resolve o problema? Os produtores paulistas e paranaenses reclamam da Reserva Legal nos seus estados, e ela é só de 20%.
O problema da Reserva Legal não é o seu tamanho e discuti-lo não enceta o problema real.
A Constituição Federal colocou a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado no hall das funções sociais da propriedade rural junto com a produção de bens e alimentos. O senso comum, por seu turno, confundiu manutenção de meio ambiente equilibrado com preservação de floresta em terras privadas. Ergo, a propriedade rural só cumprirá sua função social se mantiver parte de sua área com a floresta nativa “para que haja um certo equilíbrio”, nas palavras de Alceo Magnanini, um dos pais da Reserva Legal.
Assim, indiscriminadamente, todas as propriedades rurais têm que carregar o ônus da manutenção de uma floresta nos seus limites. Um produtor que convive com erosões carrega o mesmo ônus que o produtor que usa práticas de conservação do solo; aquele que abusa de herbicidas carrega o mesmo ônus que o orgânico; o reflorestamento carrega o menos ônus que a pecuária; a produção extensiva carrega o menos ônus que a produção intensiva. Não importa quão “limpo” ou quão “sujo” seja o sistema de produção utilizado na propriedade rural, cada uma delas carrega o mesmo ônus da manutenção de uma floresta em seus limites.
Gostemos ou não, esse ônus reduz a rentabilidade e a competitividade das propriedades rurais brasileiras. Quanto maior é o tamanho da Reserva Legal menor é a rentabilidade do empreendimento. Mas a rentabilidade não é função apenas do tamanho da Reserva Legal, o preço recebido pelo produtor também é fator determinante da rentabilidade. Dessa forma, o preço do ferro gusa hoje não é suficiente para bancar a produção do carvão vegetal com uma Reserva Legal de 80%, mas é suficiente para bancar a produção de carvão com a Reserva Legal de 50%. Logo, o governo que precisa das guseiras, pragmaticamente reduz a Reserva Legal. E se o preço do ferro gusa cair amanhã, o governo reduzirá novamente a Reserva Legal?
O debate das percentagens é estéril. No início e no cerne do problema está a convicção do senso comum de que a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado depende da manutenção de um naco de floresta dentro da cada propriedade rural privada. Será isso verdade?
Imaginemos um país hipotético que começará a ser povoado amanhã. Chamemo-o de, digamos, Pindorama. Ontem, as autoridades de Pindorama fizeram um zoneamento e determinaram todas as áreas necessárias à manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado ao povo de Pindorama. Encostas, nascentes, matas ciliares, bordas de lagos, espécies endêmicas, área representativas da biodiversidade palmácea de Pindorama, tudo foi identificado, mapeado e isolado em áreas de conservação. O restante, de cuja manutenção o meio ambiente ecologicamente equilibrado de Pindorama independe, foi retalhado em diversas propriedades privadas. Fica a pergunta: Precisará Pindorama de Reserva Legal?
A metáfora é uma forma quase sempre imperfeita de comunicação, nós brasileiros temos aprendido isso em penosas lições quase diárias nos últimos cinco anos, mas penso que o exemplo hipotético acima é útil para percebermos que a manutenção de um naco de floresta dentro de cada propriedade rural pode não ser condicio sine qua non se pode manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Talvez haja formas de fazê-lo sem onerar o setor produtivo. Afinal, é certo que o povo brasileiro — e o mundo até — precisa e anseia por um meio ambiente equilibrado, mas também é certo que o povo brasileiro, gostemos ou não, depende de sua produção agrícola. A Reserva Legal atrela as duas coisas de maneira que mais de um, implica necessariamente em menos do outro. Discutir se a Reserva Legal deve ser 20%, 35%, 50% ou 80% é uma imensa perda de tempo. O que precisamos debater é até que ponto meio ambiente equilibrado depende das florestas privadas. Talvez seja suficiente exigir dos proprietários rurais que produzam da forma mais “limpa” possível deixando a preservação de florestas a outros atores sociais. É preciso reconciliar preservação ambiental e produção agropecuária. O mundo precisa do máximo de ambos.
O imbróglio surgiu quando a operação Quaresma, realizada pelo IBAMA, flagrou o uso de carvão ilegal como insumo de produção do ferro gusa naquelas siderúrgicas. Foram expedidos 30 autos de infração, 34 termos de apreensão, duas siderúrgicas foram embargadas e as multas aplicadas chegaram a R$ 12,5 milhões. A operação deixou as siderúrgicas à beira de um colapso expondo um problema grave e de solução complicada.
As siderúrgicas vêm tentando mostrar aos ambientalistas do governo que produzir carvão legalmente a partir de reflorestamento plantando apenas em 20% da área e preservando os outros 80% como Reserva Legal é economicamente inviável. Quem não é ambientalista de gabinete já percebeu sinais de verdade na alegação das siderúrgicas e os secretários do governo paraense, diante de um iminente colapso do setor e de suas conseqüências nos empregos e nas exportações do estado, ressuscitaram a redução da Reserva Legal. Não se falava nisso desde os estertores do parecer Micheletto em 2001. Mas, será que reduzir o tamanho da Reserva Legal resolve o problema? Os produtores paulistas e paranaenses reclamam da Reserva Legal nos seus estados, e ela é só de 20%.
O problema da Reserva Legal não é o seu tamanho e discuti-lo não enceta o problema real.
A Constituição Federal colocou a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado no hall das funções sociais da propriedade rural junto com a produção de bens e alimentos. O senso comum, por seu turno, confundiu manutenção de meio ambiente equilibrado com preservação de floresta em terras privadas. Ergo, a propriedade rural só cumprirá sua função social se mantiver parte de sua área com a floresta nativa “para que haja um certo equilíbrio”, nas palavras de Alceo Magnanini, um dos pais da Reserva Legal.
Assim, indiscriminadamente, todas as propriedades rurais têm que carregar o ônus da manutenção de uma floresta nos seus limites. Um produtor que convive com erosões carrega o mesmo ônus que o produtor que usa práticas de conservação do solo; aquele que abusa de herbicidas carrega o mesmo ônus que o orgânico; o reflorestamento carrega o menos ônus que a pecuária; a produção extensiva carrega o menos ônus que a produção intensiva. Não importa quão “limpo” ou quão “sujo” seja o sistema de produção utilizado na propriedade rural, cada uma delas carrega o mesmo ônus da manutenção de uma floresta em seus limites.
Gostemos ou não, esse ônus reduz a rentabilidade e a competitividade das propriedades rurais brasileiras. Quanto maior é o tamanho da Reserva Legal menor é a rentabilidade do empreendimento. Mas a rentabilidade não é função apenas do tamanho da Reserva Legal, o preço recebido pelo produtor também é fator determinante da rentabilidade. Dessa forma, o preço do ferro gusa hoje não é suficiente para bancar a produção do carvão vegetal com uma Reserva Legal de 80%, mas é suficiente para bancar a produção de carvão com a Reserva Legal de 50%. Logo, o governo que precisa das guseiras, pragmaticamente reduz a Reserva Legal. E se o preço do ferro gusa cair amanhã, o governo reduzirá novamente a Reserva Legal?
O debate das percentagens é estéril. No início e no cerne do problema está a convicção do senso comum de que a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado depende da manutenção de um naco de floresta dentro da cada propriedade rural privada. Será isso verdade?
Imaginemos um país hipotético que começará a ser povoado amanhã. Chamemo-o de, digamos, Pindorama. Ontem, as autoridades de Pindorama fizeram um zoneamento e determinaram todas as áreas necessárias à manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado ao povo de Pindorama. Encostas, nascentes, matas ciliares, bordas de lagos, espécies endêmicas, área representativas da biodiversidade palmácea de Pindorama, tudo foi identificado, mapeado e isolado em áreas de conservação. O restante, de cuja manutenção o meio ambiente ecologicamente equilibrado de Pindorama independe, foi retalhado em diversas propriedades privadas. Fica a pergunta: Precisará Pindorama de Reserva Legal?
A metáfora é uma forma quase sempre imperfeita de comunicação, nós brasileiros temos aprendido isso em penosas lições quase diárias nos últimos cinco anos, mas penso que o exemplo hipotético acima é útil para percebermos que a manutenção de um naco de floresta dentro de cada propriedade rural pode não ser condicio sine qua non se pode manter um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Talvez haja formas de fazê-lo sem onerar o setor produtivo. Afinal, é certo que o povo brasileiro — e o mundo até — precisa e anseia por um meio ambiente equilibrado, mas também é certo que o povo brasileiro, gostemos ou não, depende de sua produção agrícola. A Reserva Legal atrela as duas coisas de maneira que mais de um, implica necessariamente em menos do outro. Discutir se a Reserva Legal deve ser 20%, 35%, 50% ou 80% é uma imensa perda de tempo. O que precisamos debater é até que ponto meio ambiente equilibrado depende das florestas privadas. Talvez seja suficiente exigir dos proprietários rurais que produzam da forma mais “limpa” possível deixando a preservação de florestas a outros atores sociais. É preciso reconciliar preservação ambiental e produção agropecuária. O mundo precisa do máximo de ambos.
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