O Ministério ficou com o Minc

Trocadilhos à parte, Marina Silva deixa o Ministério do Meio Ambiente no momento em que o mundo conspira para a expansão da fronteira agrícola e o consequente aumento do desmatamento de floresta na Amazônia. Ao assumir o Ministério em 2003, Marina Silva encontrou o desmatamento de florestas na Amazônia em franca expansão.

No momento em que o PT assumiu o Executivo nacional nossa economia mostrava os efeitos do receio de que Lula, no governo, tentasse implementar o que pregava quando era oposição. Os investimentos externos se retraíram, o dólar escasseou, seu valor subiu às alturas, os termos de troca das commodites exportadas tornaram-nas extremamente atrativos e o ambiente tornou-se extremamente fértil a grandes investimentos em aumento de produção. Como não é possível obter ganhos de produtividade no curto prazo, o aumento veio pela incorporação de novas áreas ao processo produtivo. Os grãos se espraiaram sobre áreas de pasto, os pastos se espraiaram sobre as cinzas da floresta e em 2004 Marina Silva teve de explicar ao Brasil e ao mundo a perda de 27.379 km2 de floresta amazônica, a segunda maior perda desde o início do monitoramento via satélite do INPE.

Iniciando sua gestão, todos esperávamos pela solução que a nova Ministra certamente traria ao problema. Dentre todos os credos que Marina Silva levou ao planalto havia o de que o problema amazônico é uma mera questão de enforcement. Temos as melhores leis ambientais do planeta; logo, tudo o que falta é a presença ostensiva e eficaz do braço punitivo do Estado para fazê-las cumprir.

O mainstream do ambientalismo nacional, que assumiu o Ministério junto com Marina, compartilhando o mesmo credo e ansiando pela solução do problema amazônico, pôs-se a trabalhar. Certo de que salvariam a Amazônia o ambientalismo condescendeu quando Marina trocou as possibilidades de sua pasta pela permissão do plantio de transgênicos. Condescendeu novamente quanto Marina emprestou seu prestígio ao obscurecimento da sanha de Lula em transpor águas do Rio São Francisco ao semi-árido nordestino -- que deu mais de 70% dos seus votos à reeleição de Lula. Reeleito, Lula manteve Marina a frente do Ministério do Meio Ambiente e usou seu prestígio junto ao ambientalismo para arrancar as licenças ambientais das hidroelétricas do Rio Madeira e mais uma vez o ambientalismo condescendeu diante da manutenção do ícone de Marina Silva à frente do Ministério.

Nesse ínterim, o PT frustrou os mercados trocando o marxismo pelo status quo, o capital internacional agradeceu, o dólar voltou, o Real se fortaleceu, os termos de troca se deterioraram, frustraram-se as expectativas de quem investiu no aumento da produção de commodities para exportação, o setor agrícola entrou numa das mais fortes recessões de sua história recente, parou de expandir-se e o desmatamento cedeu. Em 2007 o desmatamento de florestas na Amazônia foi de 11.224 km2, a segunda menor perda desde o início do monitoramento via satélite do INPE.

Imune que são os credos à razão, Marina Silva, o mainstream do ambientalismo e a opinião pública na sua esteira, aceitaram a idéia de que fora o enforcement das mais avançadas leis ambientais do mundo o responsável pela redução do desmatamento. Marina colheu louros e multiplicou seu prestígio internacional.

Mas eis que o mundo real, pragmático, cheio de vicissitudes e indiferente a credos, entrou numa crise de oferta de alimentos e passou a oferecer em troca de gêneros alimentícios preços nunca antes oferecidos. Os produtores brasileiros passaram a trabalhar com expectativas de preços de commodities ainda maiores do que aquelas de 2003 e, antes do final de 2007, o desmatamento deu sinais de volta.

O senso comum mandou apertar o enforcement das mais avançadas leis ambientais do mundo, vieram Decretos, listas de municípios culpados, Instruções Normativas, corte de crédito, operações da Policia Federal, apreensões de madeira ilegal cujas imagens correram o mundo, multas e alguns meses depois a volta do desmatamento escancara a carranca da consistência, incólume e indiferente. Em seguida Marina Silva abandona o Ministério do Meio Ambiente antes que o seu prestígio internacional fosse maculado e antes que a incoerência do seu credo ficasse evidente.

Atônita, a opinião pública pôs-se a refletir. Depois de muitas e elaboradas reflexões, encontrou um imbróglio sem significado sobre o qual reputar o fim da paciência de Marina Silva. Mangabeira Unger, novato na amazonologia, fora nomeado pelo presidente Lula para a coordenação do Programa Amazônia Sustentável, um programa inócuo para o qual nunca houve recursos nem afã, nem mesmo quando jazia sob o comando do Ministério de Marina. Apesar dos pesares a nomeação de Mangabeira foi aceita como causa do fim da resistência da heróica Senadora.

O Ministério do Meio Ambiente é oferecido a Jorge Viana. Jorge Viana, do mesmo partido de Marina, do mesmo estado de Marina, companheiro de militância de Marina e amigo próximo de Marina, recusa a pasta. O Ministério é então oferecido a Carlos Minc. Minc, em Paris, picado pela mosca azul e ignorando a Amazônia, aceita a pasta e o desafio de encarar o aumento inapelável do desmatamento de florestas na Amazônia.

Noves fora, Lula achou alguém para assumir a responsabilidade da elevação do desmatamento; Marina continua com seu prestígio internacional imaculado; o Brasil continua com a chance de ter um prêmio Nobel da Paz; a mais avançada legislação ambiental do mundo persiste; o desmatamento de floresta na Amazônia persiste; a crença de que a salvação da Amazônia é mais enforcement persiste; o sotaque de Mangabeira persiste; persiste o Minc por enquanto. Persistimos todos.

Ciro Fernando Siqueira
Engenheiro Agrônomo, Amazônida.

Mandei esse artigo para o Estadão, que achou por bem não publicar. Compreensivamente, no meu entender. Mas julgo que a idéia central é boa, portanto postei aqui.

Comentários

Unknown disse…
Fala meu camarada, tu é o cara! Carlos Minc parece-me contraditório, muito político e vai condescender também... a mosca azul terá de picar outro logo logo, ou então... o pragmático vence mais uma vez!