Declaração de liderança indígena Guarani-Kaiowa revela como antropólogos ongueiros tiram proveito de demarcações.
Considerações e análises por Edward M. Luz. Antropólogo
Não é de hoje que a sociedade brasileira vem desconfiando de que havia algo de errado na forma como são conduzidas as demarcações num conluio irresponsável e improbo entre ONGs, antropólogos e FUNAI.
Não é de hoje que denúncias de manipulações do atual sistema de demarcação de terras indígenas no Brasil chegam aos ouvidos da opinião pública. Durante a primeira década do século XXI, eclodiram por todo o país graves denúncias de evidentes manipulações no processo demarcatório. Contudo, por vários motivos que vão desde as dimensões continentais do país até a falta de interesse político em investigar, as denúncias isoladas, coletadas e divulgadas aqui e acolá pela mídia brasileira acabavam silenciadas por um vácuo ensurdecedor e sequer chegavam a sensibilizar a opinião pública regional, muito menos nacional. Nada era feito e foi assim que tudo continuava por isso mesmo e ninguém era responsabilizado.
Foi este o destino da declaração de índio guarani/kaiuwá, Adair G. Sanches, lavrada em escritura pública no Tabelião Albuquerque, Amambaí – MS, convalidada na Comissão de Direitos Humanos do Senado, que revelou de forma clara e explícita a forma como antropólogos manipulavam o sistema demarcatório no Mato Grosso do Sul revelando também uma total falta de controle do governo sobre as ONGs.
Graças ao arquivo digital contínuo de dados como estes à capacidade de compartilhamento de informações que a internet proporciona, temos só agora no início da segunda década do século XXI uma enorme massa de relatos, casos reveladores e depoimentos impressionantes a revelar como nosso sistema demarcatório precisa urgentemente de reformulação. Teremos agora com a esperada CPI da FUNAI a oportunidade de revermos e reformularmos o processo de demarcações de terras indígenas que há muito tempo carece de monitoramento, não só do governo, mas sobretudo da sociedade e de seus parlamentares representantes.
O depoimento público do índio Kaiowá Adair G. Sanches, lavrado em escritura pública no cartório de Amambaí, no Mato Grosso do Sul, dá uma visão de como ONGs, o Conselho Indigenista Missionário e o Projeto Kaiowá Ñandeva estão agindo na região de fronteira com o Paraguai, “fabricando” terras de ocupação tradicional por meio de laudos manipulados feitos por antropólogos da FUNAI comprometidos com a causa indigenista. O movimento tem resultado na expropriação de terras de produtores rurais honestos detendores de títulos legítimos transformados em lixo pelos laudos antropológicos.
Abaixo se lê trechos transcritos da Declaração feita pelo Kaiowá Adair Sanches, apresentados em audiência no Senado Federal no dia 7 de abril de 2005:
“Perante mim, Tabelião, compareceu em pessoa, Adair Gonçalves Sanches, indígena, lavrador, capaz, residente e domiciliado no Posto Indígena Amambaí, neste Distrito, portador do RG: 2320, Posto ADR, Amambaí, MS; CPF: 408.038.561-72, reconhecido por mim, Tabelião.
“Por ele, foi-me dito que vinha, de sua livre e espontânea vontade, sem constrangimento de quem quer que seja, prestar a seguinte declaração, cujo teor transcrevo a seguir:
“Que é índio da Tribo Guarani, nascido em 1959, na Aldeia Amambaí; Vereador eleito em Amambaí, MS, com o voto dos índios da Aldeia de Amambaí; ex-Presidente do Conselho da Aldeia de Amambaí; ex-representante da União das Nações Indígenas do Mato Grosso do Sul; ex-companheiro do antropólogo japonês Celso Aoki e Paulo Pepe, chefe de uma entidade que se chama PKÑ, Projeto Kaiowá-Ñandeva, entidade criada em nome do índio Kaiowá-Guarani, em Amambaí. O PKÑ, o CIMI — Conselho Indigenista Missionário — e o Partido dos Trabalhadores (PT) são entidades ligadas entre si. Essas entidades, usando de — são as expressões que estão na escritura — ‘malandragem e safadagem’, fazem montagens aqui em Mato Grosso do Sul, coisas que ninguém nunca imagina e que eu, que fui companheiro e conhecedor, sei que eles fazem no Mato Grosso do Sul, o PKÑ recebe verba do exterior, Holanda, Canadá e Suíça, em nome do povo indígena do Mato Grosso do Sul, do Kaiuá e Guarani.
“Dizem que é para ajudar esses povos. Só que esses dólares que vêm do exterior, o indígena nem sabe, usa o nome do índio e usa o índio também da seguinte forma: todos os problemas de terras que estão ocorrendo no Mato Grosso do Sul, na fronteira do Paraguai, são mandados pelo Sr. Celso Aoki e Paulo Pepe, antropólogos e chefes do PKÑ.
“Eu fui companheiro dessa entidade e do Partido do PT por três anos, na época do Presidente José Sarney e do Ministro Ronaldo Costa Couto. Essa escritura é de 1992. Nós fazíamos assim: procurávamos onde o índio estava trabalhando e há quantos anos estava morando naquela fazenda. Se eles falavam que estavam há cinco, seis ou dez anos, nós perguntávamos se não tinham familiares que faleceram naquele local e nós já falávamos para esse índio dar entrevista dizendo que ali era terra indígena antigamente.
“Se tivesse algum cemitério de alguém da família ou parente, era para falar que eles já haviam nascido ali, se criaram ali, seus pais, avós, bisavós e netos, e assim por diante. Já nós pegávamos o pai daquela família para ser líder naquele lugar.
“Os antropólogos Celso Aoki e Paulo Pepe são agitadores que pegam rios de dinheiro em troca desse tipo de trabalho. Já mandam elaborar documentos naquele lugar, naquela fazenda, já fazem um mapa baseado em mais ou menos quantos hectares, dizendo que a área é indígena e que só falta a demarcação; já colocam o nome de como se chamava antigamente aquele lugar ou trocam o nome ou colocam o nome da fazenda mesmo. Se tiver três ou quatro famílias trabalhando lá, colocam como se tivessem 80 ou 90 famílias naquela área, dizendo que a aldeia e o pessoal do PKÑ já vão comprar mercadorias baratas refugadas, gradil de gado, banha podre e já sai nas aldeias grandes, que são demarcadas, que têm segurança, juntas as lideranças em todas as aldeias que são dominadas por eles e fazem uma reunião com todos os capitães do Mato Grosso do Sul.
“Eles fazem o documento daquele lugar, dizendo que o índio mora naquela fazenda, mesmo que o índio seja só peão. Já o indicam de capitão e mandam todos assinarem o documento, mandando para o Presidente da Funai em Brasília, dizendo que ali tem área indígena que falta demarcação, com 80 ou 90 famílias [...].
“Com a pressão, o Presidente da Funai assina o documento e manda para o Ministério da Reforma Agrária. Depois, passa para o grupão, depois para o Ministro do Interior. Na época, nós fazíamos assim. Hoje é Ministério da Justiça.
“Eu não sou contra a demarcação de terras. Só que sou contra esses elementos que vocês não conhecem. Eu descobri porque eles não compram as terras. Com os dólares que pegam no exterior, em nome do índio, só ficam jogando os índios contra os proprietários de terras e proprietários de terras contra os índios. [...]
“Eles não querem ver o indígena se civilizar, melhorar. Para eles continuarem a usar e manipular. Se o índio se sensibilizar e estudar vai descobrir o que eles fazem, e eles não vão ter mais como sobreviver à custa dos povos indígenas. [...]
“Estou pronto para fazer qualquer declaração ou debate, para ir perante o juiz com Celso Aoki e Paulo Pepe mostrar a realidade. As pessoas dessas entidades não querem que eu fale, e os administradores da Funai não querem que eu fale nada com os brancos. O novo administrador da Funai, José Antônio Martins Flores, pediu, pelo amor de Deus, para não fazer esse tipo de entrevista para os brancos e para a Justiça porque podem perder na Justiça as questões de terras.
“Uma vez já estive na rádio esclarecendo uma parte do trabalho sujo que eles estavam armando. Desde então, o administrador Antônio Martins Flores queria que eu guardasse segredo sobre isso. E de como assim disse e dou fé, me pediu e lavrei essa escritura”.
Impressionante a semelhança deste caso com vários outros revelados em muitos outros estados do Brasil. Resta saber se todas estas denúncias de irregularidades juntas pela primeira vez vão receber a merecida atenção e análise e quem sabe, promover reflexões e mudanças necessárias nesse sistema já corrompido.
Detalhe revelador, a cada dia que passa o sistema fica cada vez pior: ONGs inter/nacionais, setores cooptados e aparelhados da FUNAI e ongueiros militantes que usam a valorosa antropologia e a nobre causa indígena para atender os interesses de uma poderosa agenda internacional, enfim todos envolvidos aprimoravam suas estratégias de atuação para obterem melhores e mais efetivos resultados. Tudo ficou bem mais complexo e bem estruturado nos últimos 5 anos quando os pedidos de estudos para NOVAS DEMARCAÇÕES de terras indígenas mais que dobrou, chegando a alcançar agora em 2013 mais de 500 terras indígenas. Já vai passando a hora de se fazer alguma coisa. O Brasil inteiro espero que seja feito algo imediatamente para evitar problemas bem piores num futuro próximo. Esperamos ser ouvidos nesta CPI.
Edward M. Luz.
Antropólogo Social.
edwardluz@hotmail.com
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