Por que uma das mais avançadas leis ambientais do mundo não passa de um fantasma ?

Primeiro é necessário esclarecer um argumento equivocado comumente usado no debate sobre o Código Florestal.

O Código Florestal não diz que os proprietários de terras na Amazônia só podem usar 20% da sua área. Na verdade eles podem usar 100% da área, desde que, nesses 100%, apenas em 20% a cobertura vegetal natural seja retirada. Nos outros 80% eles podem fazer qualquer coisa contanto que não tirem a cobertura vegetal natural. O espírito é inverter a lógica do uso do solo amazônico obrigando os donos de terra a darem um uso florestal às suas fazendas.

Em tese é lindo. O diabo é a prática.

Por uma razão simples que eu já vou explicar. Porém antes, peço que você leitor, faça um pequeno exercício. Vocês compreenderão a razão dele ao final.

Fechem os olhos e imaginem a Amazônia.

Descrevam rapidamente num papel a imagem que se formou na sua mente e guarde o papel ou, simplesmente, guardem a imagem na memória.

Bem, vamos à explicação. Eu dizia que o Código Florestal não proíbe que os proprietários usem 80% das suas propriedade, na verdade ele permite que eles usem 80% delas com qualquer uso florestal e que até 20% podem ter sua vegetação natural suprimida.

A bucha é a seguinte, floresta é um troço muito importante. Ela é biodiversa e biodiversidade é importante. Ele é bela e beleza é importante. Ela preserva os mananciais de água e água é importante. Ela protege os bichinhos e os bichinhos são importantes. Ela mantém a resiliência do ecossistema global e o ecossistema global é importante. Ela fixa CO2 e fixar CO2 é importante. Ela conserva o solo e conservar solo é importante. Ela produz madeira e madeira é importante.

A desgraça é que nós (incluindo você, caro leitor) só pagamos pela madeira e pelos grãos e carnes produzidos no solo. Nós achamos as outras coisas essenciais, nós as queremos, mas nenhum de nós paga por elas. Nós só pagamos por coisas que destroem as florestas, ou de uma vez (pelo desmatamento), ou aos poucos (pelo manejo).

A conseqüência é que, quem tem uma floresta, só ganha alguma coisa com ela se fornicá-la e aqueles 80% de uso florestal estarão sempre fadados a isso.

On the other hand, o que fazer com as propriedade onde não há mais a vegetação natural? Virar Deus e fazer as florestas reaparecerem novamente? Trocar 80% de área cultivável (por cujo produto as pessoas pagam) por um arremedo de floresta (por cuja conservação ninguém dá um puto)?

Sabes por que a maioria das pessoas têm dificuldade de perceber isso?

Peguem aquele papel onde eu pedi pra vocês anotarem a imagem que se formou na cabeça de vocês quando vocês imaginaram a Amazônia, ou simplesmente lembrem da imagem.
A imagem é de uma floresta, verde, linda e exuberante, não é?

É assim que a maioria das pessoas vê a Amazônia. Partindo dessa visão é fácil entender porque as pessoas acham o Código Florestal razoável. Ora, alguém que tenha uma propriedade numa região de floresta exuberante, cheia de madeira e de produtos não madeireiros, pode muito bem usar 80% de floresta através de manejo desses produtos e até usar 20% com outros usos.

Acontece que a imagem está errada. É falsa. A Amazônia não é uma floresta exuberante. Não é mais apenas uma floresta exuberante. Em muito locais não há mais floresta. Em outros, o que resta é um arremedo de floresta onde a madeira de valor já foi retirada e não existe mais produtos não madeireiros úteis. Como é que você vai dar um uso florestal numa propriedade onde não tem mais floresta?

É daqui que vem o conflito. A maioria das pessoas não é capaz de entender porque o Código Florestal é impraticável simplesmente porque tem uma imagem de Amazônia completamente dissociada da Amazônia real. Uma imagem que a maioria das pessoas aprende através de um veículo de mídia que, por definição, só é capaz de mostrar uma versão de um fato, jamais o fato.

Para entender o Código Florestal é necessário antes de qualquer coisa conhecer a Amazônia real, não apenas aquela que se aprende através de um qualquer filtro midiático.

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