Pecuarista brasileiro não é cidadão


Está acontecendo no mundo todo por conta da pandemia do novo corona vírus: governos querem usar os nossos dados telefônicos para nos monitorar. O objetivo é preservar a saúde pública. Mas muita gente desconfia pois existe um sério risco de os governos irem além desse nobre objetivo. Hoje, eles usariam os dados contra o coronavírus; amanhã, ninguém sabe o que farão com os nossos dados.

O leitor que segue este blog já deve ter percebido algo familiar. Troque pandemia por desmatamento. Substitua dados telefônicos por dados das Guias de Trânsito Animal (GTAs). Coloque uma ONG americana (NWF) e uma Universidade americana (UW-Madison) no lugar do governo brasileiro. Pronto. A história é (quase) a mesma. A pequena diferença está no fim da história, pois até agora ninguém deu a mínima para o vazamento massivo de dados de milhares de pecuaristas brasileiros.

Desde o começo de 2017, ongueiros americanos têm “puxado” os dados das GTAs dos pecuaristas brasileiros (números de documento, endereços, nomes, transações comerciais) na calada da noite. Não disseram nada aos donos dos dados, não pediram autorização a ninguém. O nobre objetivo deles era usar os dados das GTAs para conter o desmatamento no Brasil.

O paralelo com a situação que estamos vivendo agora é total. No dia 1 de abril, “o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendeu o acesso do governo aos dados dos clientes das empresas de telecomunicações como uma medida que agilizaria o enfrentamento à epidemia”, segundo o portal Teletime. No dia 17, o Presidente Bolsonaro editou o Decreto 954 para regulamentar o acesso aos dados telefônicos de milhões de brasileiras. Quem faria o trabalho seria o IBGE.

Só que pouco antes de o IBGE conseguir colocar a mão nos dados o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu liminarmente o Decreto, em 24 de abril. Resultado: o IBGE não tem mais o direito de pegar os dados dos cidadãos brasileiros.

O motivo é óbvio: usar os dados pessoais de milhões de brasileiros pode até ajudar a combater o coronavirus, mas também gera um imenso risco de esses dados depois serem usados para outros fins. E vejam que nesse caso quem seria responsável por tratar os dados era o IBGE, uma instituição pública totalmente brasileira, não um grupo de estrangeiros que quase nunca põe os pés no Brasil.

O incrível dessa história é que, quando os dados dos pecuaristas de Rondônia, Mato Grosso, Pará, Maranhão e outros estados foram obtidos na calada da noite por estrangeiros, armazenados no exterior para serem acessados por organizações estrangeiros, ninguém falou nada aqui no Brasil.

Os nomes, números de documentos e endereço de milhares de pecuaristas estão circulando entre ongueiros da NWF e acadêmicos americanos, e sabe qual foi basicamente a única voz a protestar contra isso? Este blog aqui, que chegou a receber ameaças. Fora isso, não existe nenhum sinal de resistência por parte de nenhuma parte do governo brasileiro ou de representações do setor produtivo nacional.

Ao que tudo indica, o sigilo de dados vale para todo mundo, menos para os pecuaristas.

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Image par Pete Linforth de Pixabay

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