Construindo Pontes: Comentários sobre o editorial do Amazônia.org sobre o Código Florestal

Caros, o site Amazônia.org publicou ontem um editorial sobre o debate passional do Código Florestal. O site é editado pela ONG Amigos da Terra Amazônia Brasileira cujo presidente é o ambientalista Roberto Smeraldi. No editorial a ONG reconhece pontos importantes do Código Florestal e deixa uma porta aberta para um diálogo razoável sobre o tema.

Segue abaixo, num Azul-e-Vermelho, alguns comentários sobre o editorial. Em azul vai o editorial e em vermelho vão os meus comentários.

Editorial: Romper o Fla-Flu do Código Florestal
Fonte: Amazonia.org.br

O debate sobre mudanças do Código Florestal, movido pela polarização entre ambientalistas e ruralistas, chegou a um ponto de tensão inimaginável. A bancada ruralista está disposta a qualquer coisa para aprovar o relatório do deputado Aldo Rebelo, e os ambientalistas pretendem responder à altura.
Eu teria escrito de outra forma: "Os produtores rurais estão dispostos a pressionar pela aprovação do relatório do deputado Aldo Rebelo, mas os fundamentalistas de meio ambiente estão dispostos a qualquer coisa  para impedir a votação." Não mudaria nada, mas o texto da ONG mostra que disposição ao diálogo é um sentimento novo no ambientalismo. Antes tarde do que nunca.

É preciso romper essa polarização. Nenhuma proposta que exclua uma das partes envolvidas no debate pode ser aceitável.
OK. Só é necessário lembrar que o Código Florestal excluiu uma das partes, os produtores. Começaram aí os problemas e por isso mesmo ele é inaceitável.

Nesse sentido, é bem vinda a iniciativa do presidente da Câmara Marco Maia em criar um grupo de trabalho igualmente dividido entre deputados da bancada ruralista e da frente parlamentar ambientalista para tentar se chegar a algum tipo de acordo.
OK. Mas minha leitura desse grupo de trabalho é outra. Foi criada apenas para ganhar tempo e adiar a votação do relatório. No fundo nenhum dos ambientalistas do grupo quer acordo.

Para os ambientalistas, o ponto mais sensível da proposta de Código Florestal do deputado Aldo Rebelo é a anistia geral de todos aqueles que desmataram até 2008. Já a principal reclamação de ruralistas é a da dificuldade e falta de incentivo para produzir, já que a questão ambiental passa a ser uma exigência a mais.
O que os ambientalistas chamam de anistia é o reconhecimento das áreas agrícolas formadas além do que a lei permitia. Não "anistiar" essas áreas implica em destruir áreas agrícolas. Se os verdes querem diálogo é preciso reconhecer isso. Por outro lado, o que o parágrafo chama de "reclamação dos ruralistas" é uma leitura errada do problema. Os produtores rurais não reconhecem a legitimidade da imposição de reservas legais privadas.

Ora, esses pontos podem ser facilmente resolvidos. De fato, não é necessária uma anistia irrestrita àqueles que desmataram. Uma iniciativa como essa premia os que nunca cumpriram a legislação, punindo os produtores que agem de acordo com a lei. Mas é aceitável que aqueles produtores que desmataram no passado de acordo com a legislação da época não sofram punição. Assim, se um agricultor desmatou 50% de uma propriedade na época em que isso era permitido, não deve ser passível de penalização.
A solução apresentada nesse parágrafo não reconhece o que está em vermelho no comentário anterior. O problema maior está nas áreas agrícolas que excedem a autorização de uso. Se os verdes continuarem chamado isso de "anistia irrestrita" não vejo como pode ser possível uma ponte de negociação.

Também é inegável que a mudança mais recente do Código Florestal, em 1996, não criou mecanismos para incentivar o produtor a adotar melhores práticas no campo ou a manter sua reserva legal. Obrigados, de uma hora para outra, a adotar práticas de conservação, não é de se estranhar que os produtores tenham buscado como alternativa mudar a legislação.
Esse é um ponto importante do editorial. Os verdes JAMAIS reconheceram isso e a maioria ainda não reconhece.

Assim, um verdadeiro Código Florestal deve propor mecanismos para incentivar o produtor a produzir sem desmatar mais do que o permitido em lei. Existem várias propostas para isso, que vão desde linhas especiais de crédito para quem conservar até criação de um mercado de serviços ambientais.
Pessoalmente eu discordo disso, mas esse e outro reconhecimento importante por parte de uma ONG ambiental. Mostra disposição para o diálogo e aponta caminhos a percorrer.

Proteger as áreas de preservação permanente e reserva legal não vai resultar em aumento do preço dos alimentos nem inviabilizar economicamente a agricultura brasileira, pelo contrário. Como mostra reportagem do dia 02 de março, do jornal O Estado de S. Paulo, quando o meio ambiente e as florestas não são vistas como entraves para o desenvolvimento, os próprios produtores têm muito a ganhar.
Essas afirmações são tolas, sofismas. O fato da ONG afirmá-las não as transforma em verdade. Existe sim a possibilidade de que a imposição do Código Florestal atual leve a redução nas áreas agrícolas, elevação dos custos de produção o que terá reflexo nos mercados e nos preços dos alimentos. Isso é um hipótese perfeitamente plausivel que merece ser testada tanto pelos verdes, quanto pelos produtores rurais. Um exemplo mostrado por um jornal não é prova de nada. Aqui no blog há dezenas de exemplos, sob diversos prismas, de produtores sendo fornicados pelo Código Florestal.

A reportagem apresenta pequenos produtores que conservam reserva legal e aderiram aos programas de incentivo para recuperação ambiental. O resultado foi que esses produtores não enfrentam mais problemas como degradação das terras ou erosão do solo, e conseguiram manter a competitividade mesmo mantendo suas florestas.
Idem comentário anterior. Existem diversas situações que podem levar um produtor a suportar o Código Florestal sem ir à falência. Um profissional liberal urbano que ganhe muito dinheiro com sua atividade urbana pode manter uma fazenda com RL e APP no campo e produzir, mas a saúde financeira desse exemplo hipotético não depende da fazenda, depende a atividade urbana. Não se pode usar um exemplo como esse como evidência que o Código Florestal não afeta a rentabilidade do imóvel rural.

Se o setor rural e o ambiental trabalharem juntos, rompendo o atual clima de Fla-Flu que não beneficia a sociedade, a economia do país tem muito a ganhar.
Concordo integralmente, mas os ambientalistas vão ter que olhar ainda mais fundo nos problemas do Código Florestal até que um diálogo fértil seja possível.

Em tempo, acho que esse editorial representa um passo importante no debate do Código Florestal. Nos próximos dias tentarei dar uma pequena força para que essa ponte seja construída a partir das duas margens.

Já me coloquei a disposição do Smeraldi para redigir junto com ele um texto alternativo ao Código Florestal vigente, conciliatório, mas ele disse que não se envolve com bloggueiro e que só faria isso se eu fosse um PJ a altura da ONG dele.

Acho que ele tem lá as razões dele, mas ainda assim creio que está aqui aberto um canal de diálogo.

Comentários

O que quer dizer com "um PJ a altura da ONG dele" ?
Ana disse…
PJ? Não seria Perseguição aos Justos? Quanto mais injusto, mais a altura.
Luiz Prado disse…
"À altura da ONG" talvez signifique de alguém que receba fundos diretos ou indieretos do exterior ou que esteja dependuraa nas granas das "compensações ambientais" dos governos.

Por que razão uma Confederação Nacional da Agricultura sentaria com eles? Quandos eles representam?
No site “amazonia.org.br” onde está publicado o “editorial” não é permitido fazer comentários. Isto não é atitude de quem se diz disposto a romper a polarização.

Não sei o que ele quis dizer com “PJ a altura da ONG dele”, mas não precisa ser Mestre nem Doutor para ter justiça, inteligência e bom senso. Tentar desqualificar alguém, em vez de contrapor seus argumentos, também não é atitude de quem se diz disposto a romper a polarização.

Foram os que se dizem “ambientalistas” que radicalizaram. Exemplos são as atitudes agressivas e prepotentes do Deputado Ivan Valente quando foi questionado por um produtor ou dos supostos ambientalistas quando da votação do relatório do Aldo Rebelo, ou as campanhas difamatórias do tipo exterminadores do futuro, etc, etc.

Além disto, impuseram a atual Legislação Ambiental – LA – incluindo o Código Florestal de 1965, sem a participação dos setores a quem foi imposto o ônus da Preservação.

Todas as Leis Ambientais, inclusive os Códigos Florestais, sempre premiaram quem desmatou e sempre puniram quem preservou ao permitir o uso de áreas desmatadas e proibir o uso de áreas preservadas sem nenhuma compensação. Uma forma de corrigir isto seria pagar um Justo Pagamento pelos Serviços Ambientais (J-PSA), proporcional à importância da Preservação, retroativo, a quem não desmatou, pois graças a estes ainda temos biodiversidade e também prestou SAs para toda a Sociedade.

É óbvio que quem desmatou de acordo com a LA vigente na época não pode sofrer punição. Esta”retroatividade” imposta pela MP 2166-67 de 2001 é Inconstitucional, pois a Lei não pode retroagir a não ser para beneficiar o produtor. O que não dá para entender é que o Supremo Tribunal Federal ainda não tenha julgado a Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 3346, movida pela CNA desde 2004. Na verdade este é um exemplo da forma arbitrária com que os supostos ambientalistas impuseram esta LA injusta, arbitrária, sem fundamentos e sem sustentabilidade.

Linhas de crédito especiais, incentivos, esmolas, etc, não são solução e, às vezes, cheiram mal. É óbvio que é necessário pagar o J-PSA para toda área particular preservada sejam obrigatórias como as Áreas de Preservação Permanente (APPs), sejam voluntárias.

É óbvio que a redução de área vai aumentar o preço das áreas onde se pode produzir e só isto já vai aumentar os custos.

Independentemente do aumento de produtividade também é óbvio que se tiver menos área terá menos produção e menos produção é igual a maiores preços.

Ainda falta muito a falar, pois não dá para aceitar uma LA que: não respeita os princípios básicos da Sustentabilidade; que impõe aos possuidores de áreas rurais todo o ônus da Preservação enquanto beneficia os privilegiados consumidores urbanos que dão causa à devastação e poluição; que não provê o Pagamento pelos Serviços Ambientais; que não cobra dos consumidores o Custo Ambiental do que consomem; que impõe RLs isoladas em áreas particulares que não conseguem preservar a biodiversidade; que impõe APPs com limite único e arbitrário para locais absolutamente diferentes sem permitir compensações que resultem em ganhos ambientais, etc.

Vinicius Nardi
Preservação e Desenvolvimento Justos, Sustentáveis e Eficientes
v.nardi@ig.com.br