Onde fica o limite da ética no financiamento privado de ONGs ambientais?

Fiz o vídeo abaixo em homenagem à parceria das grandes ONGs de ½ ambiente, Imazon, TNC e ISA com o Fundo Vale. O Fundo foi uma forma da empresa transferir tranquilizante, na forma de dinheiro, para os detentores do condão de determinar o que é e o que não é "sustentável" na Amazônia. Recentemente mais uma das grandes ONGs, a Amigos da Terra, entrou para o grupo de ongs tranquilas assinando um convênio de quase um milhão de reais com o fundo como mostrei aqui no blog: Mais uma ONG para chamar de sua.
Também mostrei aqui no blog que o dono da ONG Amigos da Terra, o ambientalista italiano Roberto Smeraldi, disse a esse respeito que não recebe dinheiro de empresa. Releia: Dono de ONG diz que não endossa plantios de dendê e eucalipto da Vale na Amazônia. Está certo, ele recebe dinheiro do fundo da empresa. Não creio que nenhum dos donos das ONGs que vêm recebendo dinheiro do fundo vale ache que há qualquer concessão ética nessa atitude.

É óbvio que não há lei que proíba esse comportamento. Não é ilegal receber dinheiro de empresa, ou de fundos "socioambientais" de empresas para fazer seja lá o que for. Tem ONG recebendo dinheiro até do governo para fazer seja lá o que for, vide os casos que levaram a demissão do ex ministro do Esporte, Orlando Silva. Ilegal não é. Resta saber se é ético.

Há um certo pudor por parte das ONGs de fazer esse tipo de negócio. É por esse pudor que Smeraldi esconde o fato de receber dinheiro da empresa através do fundo dizendo que não recebe dinheiro de empresa nenhuma, mas sim de um fundo socioambiental. Se fosse uma transação plenamente ética, ele poderia simplesmente dizer que fez o convênio com a empresa para realizar um trabalho relevante para o meio ambiente dentro do escopo da ONG dele e da empresa e pronto. Mas não, ele negou ter recebido, ou ter a prática de receber dinheiro de empresa e isso é uma evidência de que se está caminhando, ora de um lado, ora de outra, no limite da ética.

Eu tenho a minha opinião que está colocada no primeiro parágrafo desse post. Há ONGs vendendo sustentabilidade ao custo de um termo de cooperação rechonchudo e há pessoas e empresas comprando sustentabilidade a esse mesmo preço sem alterar suas formas de produção e comportamento. Há casos ainda piores onde o próprio problema ambiental foi construído por filosofia barata e a solução, não tão barata, foi vendida pelo mesmo stakeeholder.

O biólogo, professor da Esalq, Ricardo Rodrigues, fez um trabalho aqui em Paragominas diagnosticando o grau de aderência entre várias propriedades rurais do município com o Código Florestal. Assisti a uma palestra do professor Rodrigues na sede do Sindicato Rural de Paragominas onde ele, emocionado, quase dava pulinhos de alegria ante a surpresa da constatação de que a maioria dos imóveis tinha um altíssimo grau de aderência com as exigência da lei. O estudo de Rodrigues considerou a Reserva Legal de 50%.

Ocorre que a Reserva Legal aqui, que foi 50% até 1996, hoje, de acordo com a Medida Provisória vigente, é 80%. As ONGs e os ambientalistas das ONGs e do governo inventaram essa Reserva Legal de 80% na Amazônia e sempre lutaram duramente para manter esse percentual como se o futuro do planeta dependesse disso.

Antes do Fundo Vale, do Sindicato Rual de Paragominas e do município de Paragominas assinarem os tais termos de cooperação com as tais ONGs, a Reserva Legal era, e tinha que ser, 80%, o grau de aderência dos imóveis com a lei era supostamente baixo e os produtores rurais eram combatidos como inveterados destruidores do meio ambiente. Produtores rurais eram perseguidos, muitos foram multaram e tiveram suas propriedades embargadas. Não se considerava a hipótese de permitir que o percentual fosse novamente reduzido para 50%.

Depois dos termos de cooperação a TNC montou um escritório dentro do Sindicato Rural de Paragominas e alguns ambientalistas, que ontem acusavam os fazendeiros de destruírem a Amazônia, hoje passam felizes reveillons em suas fazendas. Ninguém vê com estranheza que Ricardo Rodrigues tenha mensurado a aderência dos imóveis tendo como base uma Reserva Legal de 50%. O dinheiro dos termos de cooperação fez os ambientalistas jogarem para baixo do tapete da história a virulência com a qual defendiam a Reserva Legal de 80%.

Quando me formei doze anos atrás meu primeiro emprego foi projetar e implantar, usando recursos de bancos públicos, sistemas de intensificação de pecuária na Amazônia. Reparem bem: Há mais de dez anos eu usava financiamento público para transformar propriedades de pecuária extensiva, que sustentavam menos de uma unidade animal por hectare por ano (U.A./ha/ano), em propriedades mais intensivas capazes de sustentar mais de duas U.A./ha/ano.

Um belo dia a ONG Amigos da Terra, do Roberto Smeraldi, o Imazon e outras ONGs e outros ambientalistas construíram o sofisma de que os bancos públicos estavam financiando o desmatamento na Amazônia. Forçaram o Conselho Monetário Nacional a vincular o empréstimo público a exigências que nenhum produtor conseguia obter, inclusive os 80% de Reserva Legal. As ONGs fizeram o governo interromper o fluxo de recursos dos bancos públicos para produtores rurais na Amazônia, inclusive para intensificação de pecuária.

Agora a ONG do Roberto Smeraldi aceitou R$ 700 mil para incentivar a pecuária "sustentável" na Amazônia. Sabe o que é pecuária "sustentável"? É aquilo que eu e muitos outros técnicos de campo fazíamos 12 anos atrás e que as ONGs nos proibiram de fazer minguando nossa fonte de recursos. Não duvide se o relatório final do trabalho da ONG do Smeraldi, feito com o dinheiro do termo de cooperação, concluir que o governo deve retomar o financiamento público para intensificação de pecuária.

Aceitar dinheiro de empresa para ficar calado, mouco e/ou indiferente não é ilegal. Uma empresa e uma ONG podem perfeitamente entenderem-se nesses termos. É uma concessão moral que só diz respeito à empresa e à ONG. Mas acusar todo um setor de crime ambiental, denunciar esse setor, inclusive no exterior, criar-lhe problemas intransponíveis, moer sua imagem e depois mudar de ideia ao receber dinheiro desse mesmo setor é muito mais do que uma concessão ética, do que um desvio moral; é estelionato.

Será que as pesquisas de Ricardo Rodrigues teriam chegado às mesmas conclusões não fossem os temos de cooperação? Teria ele usado 50% de RL como parâmetro de análise? Será que a TNC levaria adiante os projetos de mapeamento de propriedades se tivesse que usar dinheiro de usas fontes habituais? Se fosse uma ONG, e não um bano de técnicos de campo, quem usava dinheiro público para intensificar pecuária na Amazônia há dez anos, teriam os financiamentos minguado?

É bom e saudável que cada um faça seu próprio julgamento.

Um bom domingo a todos.

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