Nota sobre o péssimo jornalismo na cobertura de temas ambientais

Caros, vejam o texto que o jornalão O Estado de São Paulo publicou hoje. Volto em seguida tentando mostrar os fatos e esclarecer, numa análise rápida, o quem viesado e parcial é o jornalismo ambiental que cobre o tema do Código Florestal. Eis o texto do Estadão:
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Anistia a desmatador é prorrogada pela 4ª vez

A presidente Dilma Rousseff prorrogou por mais 60 dias o decreto que impede multas e sanções a desmatadores e a produtores que não aderirem a programas de regularização ambiental.

É a quarta vez que o decreto que anistia desmatadores é prorrogado pelo governo. A última prorrogação foi de quatro meses, assinada em dezembro. O prazo de anistia venceu ontem. O decreto será publicado em edição extra do Diário Oficial.

A prorrogação foi necessária para aguardar, mais uma vez, a votação do Código Florestal, emperrada na Câmara. Ontem, mais uma reunião de negociação sobre o Código foi realizada no Planalto, com a ministra-chefe das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, das Cidades Agnaldo Ribeiro, da Agricultura, Mendes Ribeiro. Após a reunião, o relator do novo Código Florestal, deputado Paulo Piau (PMDB-MG), defendeu a prorrogação do decreto. "É absolutamente necessária. Senão você deixa ao Brasil inteiro vulnerável."

Piau também disse que será possível votar o texto na Câmara no dia 24. "O ponto alto é que temos de achar um caminho de entendimento, um acordo que pode ser a posteriori. Isso é importante para buscar os caminhos de proteger o pequeno (produtor)", disse o deputado, ao deixar o Planalto. / TÂNIA MONTEIRO e RAFAEL MORAES MOURA

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Esclarecendo:

O erro começa na manchete. Não foi a quarta vez que o prazo para entrada em vigor das exigências do Artigo 55 do Decreto 6.514 foi prorrogado. Foi a 5ª vez. Veja na imagem abaixo:
O prazo para entrada em vigor das exigências do Artigo 55 do Decreto 6.514, que originalmente era de 180 dias, foi prorrogado pela primeira vez pelo Decreto 6.686, de 2008; pela segunda vez pelo Decreto 7.029, de 2009; pela terceira vez pelo Decreto 7.497, de 2011; pela quarta vez pelo Decreto 7.640, de 2011 e pela QUINTA vez pelo Decreto 7.719 publicado no diário oficial de ontem. Os "repórteres" sequer se deram ao trabalho de verificar a informação que receberam. Mas isso não é o mais grave.

Os ecorepórteres afirmam que que a presidente prorrogou o decreto que impede multas e sanções a desmatadores. Começa que a presidente não prorrogou o decreto, ela prorrogou um prazo previsto em um artigo de um decreto. Mas será que o artigo cujo prazo foi prorrogado trata mesmo de multas e sanções a "desmatadores" como afirmam os "repórteres"? Vejamos o que diz o artigo 55 do Decreto 6.514 cujo prazo foi prorrogado pela 5ª vez:

Art. 55. Deixar de averbar a reserva legal: Penalidade de advertência e multa diária de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por hectare ou fração da área de reserva legal.

Repare que o Artigo cujo prazo foi prorrogação não trata de desmatamento, ou de desmatadores. A palavra desmatamento sequer aparece no dispositivo legal. O artigo trata da Averbação de Reserva Legal.

Existem milhares de donos de imóveis rurais no Paraná, Santa Catarina, no pampa gaúcho onde não existe floresta, em São Paulo, em Goiás, no Mato Grosso do Sul, etc, que JAMAIS desmataram uma única árvore, que receberam imóveis por herança, ou que compraram os imóveis já agricultados, e que não têm a Reserva Legal de seus imóveis averbadas em cartório. Esse produtores rurais, muitos dos quais, repito, jamais desmataram uma única árvore, poderiam receber multa diária caso o disposto no Artigo 55 do Decreto 6.514 não fosse prorrogado pela 5ª vez.

O texto do Estadão é emblemático de como o jornalismo urbano trata a questão ambiental, de maneira geral, e o tema do Código Florestal de forma particular.

O problema dos jornalistas não é ignorar o assunto. Jornalistas precisam escrever sobre os mais diversos temas do cotidiano e não podem ser especialistas em todos eles. Entretanto o jornalismo, quanto bem exercido, tem mecanismos para evitar que os jornalistas cometam erros como o da matéria aqui analisada.

Os jornalistas deveriam checar as informações e deveriam, sobretudo, buscar informações de forma isenta, ou buscando eliminar a parcialidade. É certo que não existe imparcialidade absoluta, mas o repórter precisa confiar e desconfiar exatamente na mesma medida de todos os lados da matéria e sempre verificar as informações recebidas.

Por diversas razões o debate sobre meio ambiente no Brasil adquiriu matizes maniqueístas. Há sempre os caras maus que querem destruir o meio ambiente, e os caras bons que querem salvar o meio ambiente. Quando se trata do Código Florestal os rótulos que melhor se encaixam nesse esqueminha simplório são o do ruralista e o do ambientalista. Os jornalistas estão acostumados a confiar demais nos caros bons, os ambientalistas, e a desconfiar demais dos caras maus, os ruralistas, a ponto de achar que tudo o que um ambientalista diz é um fato e tudo o que um ruralista diz a distorção de um fato. O resultado são matérias como a do Estadão, onde os conhecimento corrente, mesmo errado, vai sendo passado pra frente como fato.

Venho tento alertar aqui no blog para a evidência de que esse processo de reforma do Código Florestal está oferecendo à sociedade brasileira a oportunidade de perceber o quão incompetente é a cobertura de temas ambientais pelos grandes jornais.

Façam um exercício simples. Façam um busca por textos da grande imprensa onde o termo Código Florestal aparece que tenham sido publicados antes do início do atual processo de reforma da lei. Vocês verificarão facilmente que o Código Florestal era reportado nos textos como uma lei excelente cujo único defeito era não ser cobrada pelo governo. E no entanto hoje sabemos que o texto era ruim, que muitos produtores simplesmente não tinham como cumprir, que as exigências levaram à expulsão de milhares de produtores rurais do campo, que levaria a destruição de milhares de hectares de terras onde hoje se produz alimentos, etc.

O jornalismo falhou em informar a sociedade sobre o Código Florestal. Falhou porque confiou demais nos ambientalistas, que as vezes mentem, e desconfiou demais dos ruralistas, que as vezes dizem a verdade. O jornalismo falhou porque não se ateve aos seus próprios cânones.

Estamos diante da oportunidade de termos não apenas um novo Código Florestal, mas também uma nova forma de informar a sociedade sobre os temas ambientais, porque o meio ambiente é importante demais para ser reportado com meias verdades.

Comentários

Luiz Prado disse…
De toda forma, tanto as APPs quanto as reservas legais são duas bobagens brasileiras que não têm nada a ver com gestão ambiental.
jerson disse…
um jornaleco, onde quem
se diz jornalista, que não vai a fundo buscar a noticia, checar a informação consultar as partes envclvidas, e alem do mais pender
o fiel da balança para o lado que mais lhe interessa, só pode dar essa caca, e ainda se echam certos da noticia que dão, só posso dizer lastimavel.
Braso disse…
Isso explica porque ainda somos sub-desenvolvidos, jornalistas despreparados e alguns "comprados" é que hoje escrevem em "grandes"jornais do pais, que por sinal são tendenciosos e corruptos, pelo menos a grande maioria.