Ministros Cármen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Gilmar Mendes chegam à Reserva Raposa Serra do Sol em foto de 2008 de FAB/CCOM |
A Advocacia-Geral da União (AGU) anunciou na noite de ontem (19) que todos os órgãos do governo federal, incluindo a Funai, deverão adotar o entendimento firmado no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima, nos processos de demarcação de terras indígenas.
A medida foi formalmente viabilizada pelo presidente Michel Temer, que assinou um parecer para balizar o entendimento dos órgãos envolvidos das demarcações, como a Fundação Nacional do Índio (Funai), e diminuir os conflitos fundiários envolvendo áreas indígenas. As regras serão aplicadas somente nas demarcações que ainda estão em andamento.
De acordo com a AGU, ao decidir sobre a demarcação da TI Raposa Serra do Sol, em 2009, o Supremo definiu que a posse indígena das terras não impede a atuação do Poder Público na área. Dessa forma, podem ser instaladas, sem autorização prévia, redes de comunicação, estradas e equipamentos públicos. As regras também impedem a moradia, caça e pesca de pessoas estanhas às comunidades, além da prescrição dos direitos indígenas às suas terras.
Em nota, a AGU informou que a adoção do procedimento não é uma inovação do Executivo sobre a matéria. “A novidade do presente ato é a forma jurídica adotada, já que a portaria [303/2012] anteriormente editada pela Advocacia-Geral da União não tinha o condão de vincular todos os órgãos da Administração Pública, enquanto o parecer aprovado, diferentemente, obriga todos os órgãos públicos a lhe dar fiel cumprimento, nos termos da Lei Complementar 73/1993”, informou o órgão.
Íntegra da nota da AGU:
Na data de hoje (19/07), o Presidente da República aprovou Parecer exarado pela Advocacia-Geral da União para determinar que toda a administração pública federal observe, respeite e dê efetivo cumprimento à decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Popular PET nº 3388/RR (caso Raposa Serra do Sol), que fixou as “salvaguardas institucionais às terras indígenas”, aplicando esse entendimento a todos os processos de demarcação em andamento, de forma a contribuir para a pacificação dos conflitos fundiários entre indígenas e produtores rurais, bem como diminuir a tensão social existente no campo, que coloca em risco a vida, a integridade física e a dignidade humana de todos os envolvidos.
As diretrizes fixadas pelo STF, recepcionadas no parecer aprovado, estabelecem que o usufruto das terras pelos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional, nem à atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal; permitem a instalação de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte nas terras indígenas; vedam a ampliação da terra indígena já demarcada; não comprometem a administração de unidades de conservação ambiental pelos órgãos federais competentes; proíbem a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte dos índios pela utilização das estradas e demais equipamentos públicos localizados em suas terras; vedam, nas terras indígenas, a prática de caça ou pesca por pessoas estranhas às comunidades indígenas; asseguram imprescritibilidade e inalienabilidade dos direitos dos indígenas sobre suas terras; bem como autorizam a demarcação de novas terras desde que a área pretendida estivesse ocupada pelos indígenas na data da promulgação da Constituição Federal (05.10.1988).
O parecer aprovado, portanto, não inova na ordem jurídica, mas apenas internaliza para a administração pública um entendimento há muito consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento da Ação Popular da Raposa Serra do Sol, em 19.03.2009, e reiterado em incontáveis julgados posteriores. O parecer adotou as diretrizes fixadas pelo STF para orientar os próximos processos judiciais e administrativos relativos à demarcação de terras indígenas, com o objetivo de uniformizar entendimentos e diminuir conflitos sociais e fundiários em todo o país, sem qualquer efeito sobre os processos de demarcação já finalizados.
O parecer aprovado, importante ressaltar, também não traz qualquer inovação na postura do Poder Executivo Federal no tratamento do assunto. No curso do julgamento da Ação Popular da Raposa Serra do Sol, ainda em 2009, o então Advogado-Geral da União, da tribuna do STF, afirmara que as conclusões daquele julgamento seriam observados espontaneamente pelo Poder Executivo para os demais processos, em louvor ao princípio da segurança jurídica. E foi nesse exato sentido que, em 2012, o posterior Advogado-Geral da União editou a Portaria AGU nº 303, de 16 de julho de 2012, para “fixar a interpretação das salvaguardas às terras indígenas, a ser uniformemente seguida pelos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta, determinando que se observe o decidido pelo STF na Pet. 3.388-Roraima”.
A novidade do presente ato é a forma jurídica adotada, já que a portaria anteriormente editada pela Advocacia-Geral da União não tinha o condão de vincular todos os órgãos da Administração Pública, enquanto o parecer aprovado, diferentemente, obriga todos os órgãos públicos a lhe dar fiel cumprimento, nos termos da Lei Complementar n. 73, 1993.
Deve-se ressaltar que a pretensão das comunidades indígenas, especialmente daquelas que não se enquadrem nas exigências estabelecidas, estão resguardadas, já que o Governo Federal poderá utilizar-se do instrumento da desapropriação por interesse social para atender às necessidades fundiárias, presentes ou futuras, das comunidades indígenas.
Essa medida, portanto, curvando-se à jurisprudência do STF, reiteradamente pronunciada, alinha-se com os demais procedimentos adotados pela Advocacia-Geral da União no sentido da redução da judicialização e da litigiosidade.
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