A Lei Kandir e o ataque do agro a moinhos de vento


Nas últimas semanas de trabalho do Congresso Nacional, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou um projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 37/2007 de autoria do Senador Flexa Ribeiro (PSDB/PA) e relatoria do Senador Antonio Anastasia (PSDB/MG). A PEC revogava a chamada Lei Kandir e teria efeito negativo sobre o agro. Imediatamente, entidades ligadas ao agronegócio vieram a público repudiar a ação do Senado. Parece lógico, mas por detrás da casca a ação evidencia despreparo para fazer frente aos desafios do setor.

A Lei Complementar nº 87 entrou em vigor em 13 de setembro de 1996 no Brasil dispondo sobre o ICMS cobrado pelos estados nas operações de circulação de mercadorias e serviços. A lei, cujo autor foi o ex-deputado federal Antônio Kandir, isentou de ICMS os produtos e serviços destinados à exportação, entre eles as exportações de minério e os produtos do agro.

De imediato a lei teve dois efeitos: de um lado, ela retirou impostos sobre as exportações do agro. De outro lado, a lei federal retirou receita dos estados uma vez que o ICMS é um imposto cuja arrecadação vai para os estados.

Veja aqui o que este blog já escreveu sobre a Lei Kandir

Para minimizar as perdas dos estados, a Lei Kandir previu compensações. A União incentivou as exportações retirando receita dos estados, mas criou um fundo por meio do qual os estados seriam ressarcidos.

Adivinhem!! O Governo Federal nunca cumpriu a lei na parte que trata das compensações prejudicando os estados exportadores como Mato Grosso, o Pará do Senador Flexa Ribeiro e Minas Gerais do Senador Antônia Anastasia.

Em 2013, o Estado do Pará e outros 15 estados entraram no Supremo Tribunal Federal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO nº 25) contra a Lei Kandir (Veja aqui). Venceram. (Veja aqui)

Em 2016, o STF por unanimidade julgou procedente a ação. A suprema corte fixou prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional editasse uma lei complementar regulamentando os repasses de recursos da União para os estados em decorrência da desoneração das exportações do ICMS.


Em decorrência da decisão do supremo, o Congresso Nacional criou uma comissão mista de Deputados e Senadores para regulamentar a Lei Kandir. Mas como não tem interesse, nem dinheiro, para compensar os estados, a União moveu a base aliada para esvaziar a Comissão. O prazo estabelecido pelo STF encerrou em novembro passado e o Congresso não atendeu a determinação do STF.

Ao perceber a manobra da União, alguns parlamentares dos estados que sofrem com a perda de receita imposta pela Lei Kandir procuraram criar fatos políticos para pressionar a União a resolver o problema. É nesse contexto que se insere a PEC repudiada pela entidades do agro.

Apesar de ter sido aprovada na CCJ do Senado, a PEC nº 37/2007 em si não representa nenhuma ameaça ao agro. A aprovação de uma Emenda Constitucional depende de três quintos dos votos dos parlamentares em duas votações na Câmara e mais duas no Senado. Em a vontade do Governo é impossível aprovar uma PEC. Como o Governo não tem interesse em revogar a Lei Kandir, a PEC 37/2007 não tem e nunca teve qualquer chance de ser aprovada.

A PEC nº 37/2007 não passou de firula política dos estados exportadores com o objetivo de pressionar a União a achar uma solução para as perdas desses estados com a desoneração das exportações.

As notas oficiais emitidas pelas entidades do agro em repúdio a ação do Senado não passaram ataques a um moinho de vento. Primeiro que a ação não foi do Senado, nem do Governo. Foi de dois parlamentares com a leniência do presidente de uma comissão do Senado. Segundo que a chance de aprovação da PEC sempre foi ZERO.

Muito pior do que as notas é a falta de visão das entidades. O STF julgou procedente a Ação Direta de Constitucionalidade por Omissão nº 25. O que significa dizer que a Lei Kandir sem as compensações aos estados é INCONSTITUCIONAL.

Quem pode revogar a Lei Kandir não é o Congresso Nacional. Quem pode revogar a Lei Kandir é o Supremo Tribunal Federal se continuar a omissão do Congresso e da União em compensar os estados.

De fato, a desoneração das exportações ao agro de ICMS é importante para o setor. Portanto é necessário defender a Lei Kandir. Mas se pretendem defender o agro, as entidades deveriam trabalhar junto a União para achar uma solução para os estados exportadores. Mais cedo, ou mais tarde, eles encontrarão uma forma de derrubar a Lei Kandir.

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