O mundo está indo para o buraco? Dados que nos ajudam a entender o mundo, artigo do Presidente da Embrapa, Maurício Lopes.

Você é daqueles que pensam que o mundo vai de mal a pior? Se sua resposta é sim, dê uma olhada no trabalho do Dr. Max Roser, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Desde 2011, o Dr. Roser mantém uma página na internet, OurWorldInData.org, em que conta, com números, gráficos e visualizações muito criativas, a história social, econômica e ambiental do mundo até os dias atuais.

Formado em geociências, filosofia e economia, ele se dedica a estudar a evolução, a longo prazo, dos padrões de vida em todo o mundo. Sua pesquisa está concentrada no crescimento inclusivo e sustentável dos países, e é baseada em uma vasta gama de fontes e disciplinas acadêmicas. Seus resultados são surpreendentes. Num momento em que somos levados a duvidar de nossas possibilidades, seus dados demonstram o enorme progresso da humanidade na educação, saúde, redução da pobreza e da violência. E mostram como tais avanços poderão sustentar novos ciclos virtuosos de desenvolvimento no futuro.

Dentre todos os dados disponíveis, destaca-se a admirável melhoria da saúde global. Em 1800, nenhum país tinha uma expectativa de vida superior a 40 anos. Em 1950, o mundo se dividia em dois blocos: Europa e América do Norte, com expectativa de vida em torno de 60 anos, e os países pobres, com pouco progresso em relação a 1800. Isso está mudando: entre 1950 e 2012, houve uma enorme aproximação entre nações ricas e pobres em termos de expectativa de vida, reflexo de uma redução significativa da desigualdade na oferta global de saúde. Em 2012, já não havia um único país com expectativa de vida menor que 45 anos, bem como qualquer país das Américas com expectativa inferior a 63 anos.

Milhões de pessoas hoje estão vivas graças ao controle do tétano e da poliomielite e à erradicação da varíola. Mortalidade no primeiro ano de vida se reduziu em todo o mundo. Guerras, doenças e pobreza estão em franco declínio. Poucos sabem que, em 1950, 70% das pessoas viviam em condições de extrema pobreza, com menos de US$ 2 por dia. Agora, uma em cada 10 pessoas vive nessa condição. As taxas de desnutrição estão decrescendo e a produção de alimentos alcançou sucessivos avanços nos últimos cinquenta anos.

O Brasil, até os anos 1970, estava longe de alcançar a segurança alimentar. Exportávamos café e açúcar, mas gastávamos nossa poupança na importação de carnes, milho, trigo e até arroz e feijão. Então com 100 milhões de habitantes, quando veio a crise do petróleo, em 1973, temíamos pelo pior, pois não conseguíamos abastecer o país e boa parte da renda das famílias era dedicada à compra de alimentos. De lá para cá, mais que dobramos a população, mas superamos todas as previsões de caos, alcançando a segurança alimentar e projetando o Brasil como um grande exportador de alimentos. A safra brasileira atual de grãos é suficiente para alimentar quatro vezes a nossa população. O conjunto da nossa produção de alimentos de origem animal e vegetal contribui para alimentar mais de um bilhão de pessoas no planeta.

Ainda assim, é surpreendente como as catástrofes e o negativismo exercem enorme atração sobre a sociedade moderna. Talvez por isso, o risco de epidemia de Ebola na África, ações de grupos terroristas ou impactos das mudanças de clima ganhem grande destaque na mídia, muitas vezes com viés excessivamente negativo. Enorme quantidade de relatórios, estudos acadêmicos e bases de dados estão aí, mas, quase sempre, sua fragmentação e desconexão também nos forçam a análises pontuais, conjunturais e de curto prazo, com pouca atenção a trajetórias e mudanças que se operam em médio e longo prazos.

Felizmente, esta realidade está em mudança. Com a emergência da era Big Data, podemos gerar, medir, coletar e armazenar extraordinária quantidade de dados e informações, e tratá-los e usá-los de forma mais efetiva. Ferramentas de Big Data nos ajudarão a mudar um pouco o nosso zoom, muito concentrado na conjuntura atual e no curto prazo, e a analisar os processos de mudança em horizontes mais longos.

Analisando grandes volumes de dados, captados em períodos mais distendidos, veremos os efeitos da combinação virtuosa de mais democracia, mais educação e mais desenvolvimento econômico e social. E compreenderemos que seus impactos no desenvolvimento científico e tecnológico e no avanço das políticas públicas para a melhoria da sociedade são nada menos que extraordinários.

Apesar dos avanços, o Dr. Max Roser alerta que ainda estamos distantes do mundo ideal. O impacto das mudanças climáticas oferece riscos de magnitude ainda desconhecida. Precisamos trabalhar muito para acabar de vez com a pobreza, com a fome, com as guerras. Mas é preciso reconhecer que estamos progredindo em todos esses campos. Entender como conseguimos superar desafios que pareciam insuperáveis nos dará confiança e sabedoria para enfrentarmos os problemas do presente e do futuro. Aqueles que se dispuserem a fazê-lo hoje talvez sejam considerados excessivamente otimistas, mas certamente serão reconhecidos como realistas no futuro.

*Artigo publicado na edição do dia 8 de novembro de 2015 do jornal Correio Braziliense.

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