Sarney Filho pode acabar com a Cota de Reserva Ambiental

Entre a floresta e a agricultura, existe uma pedra no meio do caminho das Cotas de Reserva Ambiental

Depois de transformar o Fundo Amazônia em combustível para polícias de Comando & Controle, os ambientalistas do Governo seguem perseguindo os instrumentos econômicos de gestão ambiental. O Ministério do ½ Ambiente e o Serviço Florestal Brasileiro acabam de anunciar um edital para contratação de uma consultoria que pode esculhambar de vez com a Cota de Reserva Ambiental (CRA). Criada pelo novo Código Florestal, a CRA é o único mecanismo real de gestão econômica de proteção ambiental existente no ordenamento jurídico brasileiro, mas pode ser transformado em um monstrengo desfuncional.

A Cota de Reserva Ambiental é um instrumento criado para permitir que um produtor rural que tenha mais vegetação nativa do que o necessário ao seu imóvel possa alugar ou vender o excedente a um outro produtor que não tenha vegetação nativa suficiente. É um instrumento econômico de gestão ambiental baseado em um sistema de permissões negociáveis.

Se você quiser apender a teoria de um sistema de permissões negociáveis como instrumento econômico de gestão ambiental clique aqui, compre o livro e estude.

Imagine dois produtores rurais, João e Pedro. João tem uma propriedade de 1.000 ha em uma região onde a Reserva Legal é 20%, mas tem 30% de vegetação nativa em seu imóvel. João tem 100 ha sobrando em seu imóvel que podem ser desmatados legalmente. Já Pedro tem uma propriedade de 1.000 ha na mesma região e só tem 100 ha de vegetação nativa. Ou seja, João precisa de 100 ha. Uma das opões de João é destruir 100 hectares de sua área cultivada e replantar a vegetação nativa. O mecanismo da Cota permite que João compre ou alugue os 100 ha excedentes de Pedro. Dessa forma, João não precisará destruir 100 ha de cultivo e Pedro poderá ter alguma renda com seus 100 ha excedentes de vegetação nativa sem precisar desmatá-los.

As vantagens do sistema de permissões negociáveis como instrumento de gestão ambiental vão muito além dessa explicação simplória. Há vários outros aspectos ligados à eficiência na recuperação ambiental, mas não entrarei nesse tecnicismo aqui.

O primeiro pesquisador a pensar seriamente sobre um sistema de permissões negociáveis no Brasil aplicado ao Código Florestal e à Reserva Legal, além deste blogger, foi um economista do Banco Mundial chamado Kenneth Chomitz. Chomitz publicou alguns trabalhos sobre o assunto, inclusive com modelos econométricos de simulação de oferta e demanda por cotas.

O instrumento chegou a ser criado no Brasil por uma das Medidas Provisórias que deram redação ao velho Código Florestal. Mas era tão restrito e cheio controles e condições que nunca chegou a funcionar. Os produtores rurais só poderiam compensar Reserva Legal dentro da mesma microbacia hidrográfica e as ONGs e os ambientalistas nunca chegaram a um acordo sobre o nível da microbacia a que se referia a Medida Provisória.

Durante a reforma legislativa do Código Florestal o mecanismo foi reimplantado no ordenamento jurídico brasileiro de forma mais inteligente e sem a restrição da microbacia. Mas, novamente, os ambientalistas estão seriamente empenhados em destruir o mecanismo da Cota de Reserva Ambiental.

O edital laçado semana passada pelo Ministério do ½ Ambiente pretende contratar um consultor que oriente a transformação da CRA em "título ambiental". Alguém fumou semente no M½A e passou a ver a CRA para além do seu objetivo legal que é a compensação de Reserva Legal fora do imóvel rural.

De acordo com o Termo de Referência a CRA se relacionaria "a um entendimento jurídico mais amplo com disposições claras a respeito da provisão de serviços ambientais pela conservação e melhoria de ecossistemas e da vegetação nativa." A ideia é bem intencionada, mas vai aumentar a taxa de lotação do inferno depois do falecimento do ideota.

A CRA existe por força dos Artigos 44 a 50 da Lei 12.651. Todos estão dentro do Capítulo X que trata do Programa de Apoio e Incentivo à Preservação e Recuperação do Meio Ambiente. Ocorre que o Capítulo X também tem o Artigo 41 que autoriza o Poder Executivo a criar instrumentos econômicos de gestão ambiental e define sem esgotar uma lista de serviços ambientais.

Os malucos do M½A, sem entender nada de instrumentos econômicos de gestão ambiental, acham que o Artigo 41 dá aos Artigos da tratam da CRA o obrigação de incorporar outros serviços ambientais além da compensação de Reserva Legal fora do imóvel. "As CRAs poderiam também ter um papel distinto da compensação de RL como título "ambiental" lastreado na provisão de serviços ambientais pela vegetação existente ou em recuperação", diz o Termo de Referência. É uma maluquice que pode inviabilizar a CRA como forma de compensação de Reserva Legal.

A Cota de Reserva Ambiental NÃO DEVE TER SEU ESCOPO AMPLIADO para outros serviços ambientais além da compensação de RL fora do imóvel. A razão para isso é simples: Os serviços ambientais providos pelas florestas são distintos dependendo das circunstâncias.

Haverá CRA vinculada à florestas que proverão serviços ambientais ligados à água e haverão muitas outras vinculadas a outros biomas que não prestarão esse serviço. O mesmo se aplica a todos os outros serviços ambientais, até ao sequestro adicional de carbono.

Como meio exclusivo de compensação de RL fora do imóvel, a CRA presta um serviço ambiental claro cujo valor é relativamente fácil de mensurar e com ofertantes e demandantes bem definidos. É só por isso que ela tem uma boa chance de dar certo.

Quem entende o B-A-Bá de economia ambiental sabe que a maior dificuldade para o funcionamento de um instrumento econômico de gestão ambiental é justamente a clareza na definição do serviço ambiental prestado e dos demandantes e ofertantes desse serviço. Quando se resolve esses problemas, basta regular a negociação entre os agentes que o mercado surge naturalmente.

Quase todos esses requisitos mínimos existem no caso da CRA como instrumento exclusivo de compensação de Reserva Legal fora do imóvel. A única coisa que falta é a regulamentação. Ao agregar complexidade às CRAs vinculando a ela serviços ambientais pouco claros e com provedores e compradores mal definidos, os ambientalistas do Ministério do ½ Ambiente vão destruir a CRA. Sarneyzinho Filho trocará um passarinho na mão por um magote de urubus voando de arribada.

Este blogger não acredita que Deus dará juízo a Sarneyzinho, por isso decidiu prestar uma consultoria pública ao Serviço Florestal Brasileiro e ao Ministério do ½ Ambiente.

1. Não mexam no papel da CRA tentando enxertar o Artigo 41 nos Artigos 44 a 50. Isso é maluquice. Quem imaginou isso deve ter fumado semente. Soltem logo o Decreto da CRA como título exclusivo de compensação de RL fora do imóvel antes que todos compensem seus deficites de Reserva Legal com as outras opções previstas na lei e a CRA nasça morta.

2. Usem a autorização dada pelo Artigo 41 para criar, por decreto, outras cotas vinculadas a outros serviços ambientais. Por exemplo, criem a possibilidade legal de emissão de títulos transacionáveis e opções de compra vinculados a produção de água, ou beleza cênica. Dessa forma, uma CRA, ou uma outra porção de floresta que não esteja vinculada a uma CRA, mas que preste o serviço de produção de água poderá ser comprada por usuários desse serviços em certas situações.

3. Já que eu resolvi o problema para vocês com um post de blog feito em 45 minutos, peguem o recurso da ONU que vocês usariam para pagar o consultor e doem aqui para a dona Francisca Borges:

Veja aqui o edital que pode acabar com a Cota de Reserva Ambiental.

Imagem: Composição feita no Fotor com imagens de Kleiber Arantes/Secom (colheita), Mácio Ferreira/Ag. Pará (reflorestamento) e Ministério do Meio Ambiente (Pequenos Sarney)

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