Código Florestal - o que a ciência não consegue enxergar, uma resposta a José Goldemberg

Caros, hoje o Estadão publicou um artigo do ex ministro de ½ José Goldemberg sobre o Código Florestal. Segue abaixo o texto com comentários meus em azul.

Código Florestal - o que a ciência tem a dizer
Código Florestal - o que a ciência se omite de fazer

Há mais de um ano que as discussões sobre a reforma do Código Florestal dominam os trabalhos do Congresso Nacional e ocupam um lugar considerável nos meios de comunicação. O substitutivo Aldo Rebelo polarizou os debates e acabou levando o próprio governo a uma séria derrota, quando foi aprovado por grande maioria da Câmara dos Deputados.
Goldemberg começa sua análise mentindo. O texto do deputado Aldo Rebelo, um governista, foi negociado com o governo em reuniões que envolveram três ministérios (½ Ambiente, Agricultura e Desenvolvimento Agrário) designados pela Presidente Dilma para construir um texto de consenso. A derrota do governo foi na aprovação da emenda 164 proposta pelo PMDB. Goldemberg simplesmente abre seu texto com um mentira. Mas não é uma mentira ingênua. A intenção é inventar um fosso entre a reforma do Código Florestal e o governo. Fazendo a sociedade pensar que a reforma não é do interesse do Brasil e criar as condições, mentirosas, para que Dilma possa vetar o texto democraticamente aprovado no Congresso.

Praticamente ignorado em toda a discussão foi um interessante relatório preparado por um grupo de trabalho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que reúne os dados científicos básicos sobre o que se sabe a respeito das florestas brasileiras e as razões por que elas precisam ser protegidas.
O texto da SBPC e ABC ao qual se refere Goldemberg não poderia deixar de ser ignorado. As discussões para reforma do Código Florestal começaram dois anos antes que os cientistas retirassem seus traseiros gordos das cadeiras. Quando o relatório dos "cientistas" ficou pronto a discussão na Câmara já caminha para seu desfecho depois que o Deputado Aldo Rebelo fez o que os cientistas não fizeram, percorreu o país conversando com as pessoas oprimidas pela lei vigente. Depois de décadas de omissão os "cientistas" fizeram o que disse Goldemberg reuniram "dados a respeito das florestas brasileiras e as razões por que elas precisam ser protegidas". Mas isso qualquer criança sabe. Não é preciso que cientistas se reúnam para reafirmar que a proteção de florestas é necessária. Isso é óbvio. O que não é óbvio é COMO alcanças essa preservação sem esculhambar a produção rural nacional e isso, os gênios da ciência nacional continuam se omitindo de fazer.

O Código Florestal envolve um grande número de interesses e visões conflitantes de ambientalistas, ruralistas, grandes proprietários, assentados rurais, populações indígenas e outros grupos, sendo função legítima do Congresso estabelecer as regras que conciliem esses interesses em maior ou menor grau. Os interesses envolvidos vão dos motivados por considerações econômicas pragmáticas aos mais gerais, como proteção da biodiversidade e até da paisagem. Contudo não se pode ignorar na discussão o que a ciência tem a dizer, o que torna o Código Florestal diferente de outros códigos, como o Código Civil ou o Tributário, que definem apenas regras de comportamento social ou econômico.
Não há o que dizer dessa amenidade óbvia.

No caso de florestas, decisões equivocadas podem implicar sua destruição, o que poderá ter consequências irreversíveis que afetarão não só a atual geração, mas também gerações futuras. Neste caso é essencial adotar o Princípio da Precaução, que foi incorporado à Convenção do Clima adotada na Conferência do Rio, em 1992, e ratificada pelo Congresso Nacional. O que esse princípio nos diz é que, "quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental". Em outras palavras, é melhor prevenir do que remediar.
As mesmas afirmações de um lado só feitas nesse paragrafo podem ser aplicadas à agricultura. Querem ver? Vou repetir o parágrafo apenas substituindo o "meio ambiente" por "agricultura". Vejam: No caso da agricultura, decisões equivocadas podem implicar sua destruição, o que poderá ter consequências irreversíveis que afetarão não só a atual geração, mas também gerações futuras. Neste caso é essencial adotar o Princípio da Precaução, [...]. O que esse princípio nos diz é que, "quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação da produção de alimentos". Em outras palavras, é melhor prevenir do que remediar. É mentira? Não reformar o Código Floresta implica em ameaçar a capacidade brasileira de produzir alimentos e sobre o Sr. Goldemberg se cala.

Isso não foi feito no passado e levou a Mata Atlântica, que se estendia ao longo de 17 Estados, desde o Piauí até o Rio Grande do Sul, praticamente à extinção. Restaram apenas 11,4% da área original. E muitas das áreas desmatadas deixaram de ser utilizadas, como é o caso de grandes extensões que foram usadas para cafezais no passado e hoje jazem abandonadas no Vale do Paraíba. O mesmo está ocorrendo em grande escala no Pará, onde metade da cobertura florestal já foi eliminada.
Aqui o Sr. Goldemberg comente uma desonestidade intelectual comum no debate sobre meio ambiente. O desmatamento da Mata Atlântica no passado possibilitou a produção de cana no início e de café depois. Em decorrência da cana a ocupação do estado brasileiro foi possível e a economia do café possibilitou os meios e os mercados necessários à industrialização de São Paulo. O sul maravilha do Brasil se construiu sobre as cinzas da Mata Atlântica. Ao mostrar apenas o lado da destruição a florestal, Goldemberg passa a impressão de que a destruição foi gratuita, o que é um sofisma, uma impostura intelectual.

Essa é precisamente a situação que enfrentamos agora em relação à Floresta Amazônica. Existem ameaças sérias à preservação dessa floresta e cabem medidas para prevenir que elas se materializem, uma vez que sua recuperação - estimada em R$ 12 mil por hectare - supera em muito o custo do desmatamento.
Aqui há outra traquinagem do Sr. Goldemberg. A reforma do Código Florestal não é uma questão amazônica, como tenta fazer parecer o ex ministro. A maior parte da motivação política para a reforma da lei florestal vem na incapacidade dos imóveis do sul, agricultados há décadas sem observar as restrições legais, de se adequarem à lei. Goldemberg relaciona a reforma à Amazônia para dar força ao argumento falso de que a lei está sendo flexibilizada para possibilitar a destruição a Amazônia, o que é uma mentira. Isso sem falar no fato de que a maioria dos imóveis rurais não tem condições econômicas de jogar um custo de R$ 12 mil por ha sem tornar o negócio absolutamente inviável. Qualquer cientistas que faça essa conta perceberá isso fácil. R$ 12 mil por ha supera em muito a capacidade de pagamento da maioria das imóveis rurais brasileiros.

Exemplo é dado pela maneira como o substitutivo Aldo Rebelo trata a faixa de proteção ao longo dos cursos d"águas (matas ciliares) com menos de 5 metros de largura. No substitutivo ela é reduzida para 15 metros, medida a partir do leito menor; no Código Florestal vigente, a faixa de proteção é de 30 metros a partir do nível mais alto.
Nesse parágrafo o Sr. Goldemberg mente novamente. O texto aprovado na Câmara NÃO REDUZ A LARGURA DAS APPs. O texto dispensa de recuperação uma parte das APPs nos imóveis onde essas APPs de rios inferiores a 5 metros de largura já estejam alteradas. O texto não fala em leito menor. É mentira ou ignorância do Sr. Goldemberg. O texto fala em leito médio.

O que a ciência nos diz é que cursos d"água de menos de 5 metros de largura compõem mais de 50% da rede de drenagem do País, e a redação proposta resulta numa redução bruta de 31% da área protegida pelo Código Florestal vigente. Essa modificação conflita frontalmente com dados que são discutidos no documento da SBPC/ABC: as matas na faixa de proteção reduzem a concentração de poluentes químicos nos rios causada pelo vazamento de fertilizantes das áreas agrícolas próximas de suas margens. Mais ainda, as matas ciliares reduzem a erosão e a perda de solo de forma significativa. Não é apenas a biodiversidade que existe nas matas ciliares e a sua beleza que precisam ser protegidas, mas o próprio curso d"água.
Ninguém discute a importância e a premência de se preservar as APPs de todos os rios. O problema está em conciliar essa necessidade óbvia com a agricultura, com a vida no campo. O que fazer com as propriedades inviabilizadas pelas necessidade de preservar APPs? Expulsar o agricultor de lá? A esses problemas o Sr. Goldemberg e seu bando de "cientistas" preservadores de paradigmas nada dizem.

Vários outros casos são apresentados no documento da SBPC/ABC, justificando, por exemplo, por que áreas de proteção permanente são importantes. Mesmo quando compensadas fora da propriedade agrícola - o que é previsto no substitutivo -, elas devem necessariamente sê-lo na mesma região, com características adequadas (o mesmo bioma), e não em regiões distantes ou em outros Estados. Caso contrário, é inútil protegê-las, porque a vida silvestre não sobreviverá. Além disso, as áreas protegidas precisam ser interligadas por corredores ecológicos, dos quais as matas ciliares são em geral os mais adequados.
Novamente o Sr. Goldemberg se cala sobre como fazer isso sem esculhambar com a produção rural e a vida no campo.

A Amazônia é uma região onde está ocorrendo uma expansão rápida da fronteira agrícola, como ocorreu também em outros países. O caso mais conhecido é o dos Estados Unidos há cerca de 150 anos, mas ela não foi predatória, porque a propriedade da terra foi sempre bem definida e respeitada. Segundo alguns analistas, esse é o calcanhar de Aquiles de qualquer política fundiária para a Amazônia. Sem definir claramente a posse da terra e regularizá-la, a "grilagem" continuará a fazer avançar a fronteira agrícola.
Eis aqui um feixe de desonestidade intelectual do ambientalista. Em um só parágrafo Goldemberg tenta relacionar de forma espúria (repare nos clichês) o desmatamento da Amazônia e a grilagem de terras com a reforma do Código Florestal. Goldemberg afirma que na "Amazônia está ocorrendo uma expansão rápida da fronteira agrícola". É MENTIRA. Os últimos anos o desmatamento na Amazônia vem apresentando os menores números da história.

Como se sabe, a ocupação das terras (frequentemente públicas e de custo zero) passa pelas seguintes etapas: extração da madeira de lei, instalação da pecuária e, em seguida, uma agropecuária mais moderna, principalmente soja, ou, em muitos casos, o abandono da terra degradada. Essa é uma combinação imbatível, uma vez que o risco econômico é muito baixo. Ela gera lucros rapidamente e o consequente avanço da fronteira agrícola, levando ao abandono das áreas desmatadas, como já ocorreu com a metade do Estado do Pará.
Sabe o que aconteceria se um investidor imbuído das melhor intenções viesse para Amazônia investir num uso intensivo do solo, numa pecuária de ponta ou numa agricultura de alta produtividade? Ele seria proibido pelo Estado. Não conseguiria licença, nem financiamento, nem capital humano apto. O Estado brasileiro, na busca imbecil pela preservação da floresta (Repare no adjetivo. O problema não é a busca. É o fato dela ser imbecil) fez do uso extensivo do solo a única alternativa possível.

É isso que precisamos evitar. Mas o substitutivo do atual Código Florestal aprovado na Câmara vai na direção contrária e não deveria ser votado no Senado antes de os cientistas da SBPC/ABC serem ouvidos.
Os cientistas da SBPC/ABC foram convidados a participar do debate na Câmara e foram induzidos pelo movimento ambiental a não comparecer ao debate para que o argumento esmerilhado por Goldemberg nesse último parágrafo pudesse ser usado contra a reforma da lei. As duas maiores academias de ciência do Brasil prostituíram a ciência em troca da proximidade com o fundamentalismo ambiental. O relatório dos "cientistas" é cheio de razões pelas quais o meio ambiente precisa ser preservado, mas COMPLETAMENTE vazio de soluções para a conciliação desse preservação com a produção rural e, por isso mesmo, é um relatório irresponsável.

PROFESSOR DA USP, FOI PRESIDENTE DA SBPC E MINISTRO DO MEIO AMBIENTE

Comentários

Luiz Prado disse…
Goldemberg, a "pedra de ouro", foi durante muito tempo um apaniguado da indústria sucro-alcooleira e sempre contrário sequer à medição das emissões de aldeídos dos carros movidos a álcool, mesmo quando a "ciência" dos países sérios estava fazendo isso. Também usou a usa "ciência" para apoiar a produção de cana de açúcar sem qualquer critério, o que hoje faz com que o consumo de perecíveis da região metropolitana de São Paulo seja suprido por produtos que viajam de caminhão por 1.000 km ou mais. Essa é a "ciência" um tanto autista de José Goldemberg.