A falsa contradição entre Agronegócio e Agricultura Familiar

Prezados colegas e leitores deste blog.

Primeiramente gostaria de agradecer a oportunidade de poder dividir este espaço com vocês. Ao nosso amigo Ciro, que conseguiu massificar o blog do código florestal, meus cumprimentos e agradecimentos pelo convite para publicar por aqui. Espero não decepcioná-los!

Considerando que uma das linhas editorias de nosso “novo blog” deverá contemplar a interface existente entre agronegócio e as dinâmicas de desenvolvimento regional sustentável, nossa primeira preocupação será descrever o simples conceito de agronegócio, a fim de explorar as relações existentes com a produção de alimentos e a agricultura familiar.

Diferentemente do propalado por ONGs ambientalistas, agronegócio não é sinônimo de grande latifúndio improdutivo. Pelo contrário, ele é constituído pelo conjunto das cadeias produtivas de alimentos e fibras. Cada cadeia produtiva, por sua vez, é formada por três elos de produção: o que fornece insumos para a unidade de produção rural (indústria de máquinas, equipamentos, biotecnologia, entre outros), o elo de produção rural (fazenda) e o elo de processamento e distribuição (frigoríficos, processadoras de grãos, indústrias alimentícias, entre outras).

Deste modo, todas as unidades de produção rural, sejam grandes, médias ou pequenas, mas que demandem insumos do mercado e destinam a maior parte de sua produção para os consumidores, fazem parte do agronegócio. Qualquer livro da área traz essa noção, que primeiramente foi utilizada por John Herbert Davis e Ray Allan Goldberg, no livro “A concept of agribusiness”, publicado pela Graduate School of Business Administration da Harvard University em 1957.

Mesmo que pareça redundante, precisamos entender perfeitamente esse conceito, pois a falta de informação é a maior aliada de juízos de valores negativos que estão sendo propalados e que agridem o homem do campo. Vejam um exemplo claro disso:

Em 08/02/2010, o Ministério do Desenvolvimento Agrário publicou a cartilha “Agricultura familiar no Brasil e o Censo Agropecuário 2006” (disponível em http://www.mda.gov.br/portal/publicacoes/download_orig_file?pageflip_id=3697318). Trata-se de um material de excelente qualidade que mostra a importância da agricultura familiar brasileira. A mesma cartilha é utilizada para atacar o agronegócio, pois assume-se ex-ante que a agricultura familiar não faz parte do agronegócio.

De fato, a cartilha comprovou o que já sabíamos: a agricultura familiar é extremamente importante para o Brasil, pois produz 87% da mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 21% do trigo, 16% da soja, 58% do leite, 50% da carne de aves, 59% da carne de suínos e 30% de bovinos. Mas o que é agricultura familiar mesmo? Agricultura familiar é sinônimo de agricultura camponesa, como alguns querem fazer acreditar?

A mesma cartilha utilizou o Art. 3º da Lei 11.326/2006 para conceituar agricultura familiar: “Art. 3.° Considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família".

Observem que um agricultor familiar pode ser ao mesmo tempo, empregador rural e produzir em áreas grandes, uma vez que em municípios como Altamira/PA, quatro módulos fiscais excedem 400 hectares. Aqui está o “calcanhar de Aquiles” das análises enviesadas da bancada ambientalista (Deputados que lutaram contra o novo código florestal) e entidades que atacam, cotidianamente, o agronegócio, pois agricultura familiar não é sinônimo de agricultura camponesa (aquela em que o produtor consome grande parte de sua produção e vende o excedente, geralmente não superior a 50%). Portanto, a agricultura familiar que garante a segurança alimentar no Brasil é aquela que está incluída na estrutura do agronegócio. Logo, politicas prejudiciais ao agronegócio tenderão a ser ruins para a agricultura familiar.

Par citar apenas um exemplo, conheço famílias de agricultores no Rio Grande do Sul que trabalham em regime de integração com Marfrig/Seara e engordam 3.000 porcos a cada ciclo de quatro meses: eles produzem, em média 78,75 toneladas/carne/mês e são agricultores familiares, pois utilizam mão de obra familiar (pai, mãe e três filhos adultos), produzem em área menor do que quatro módulos fiscais e estão enquadrados nas condições estabelecidas pela Lei 11.326/2006 e nas diretrizes do Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF).

Portanto, é falsa a noção de enfrentamento/contradição entre agricultura familiar e agronegócio, pois é justamente o segundo que garante renda para o primeiro.

Também é verdade que os modelos produção agrícola patronal e empresarial estão integrados ao agronegócio, mas qual o problema disso? Nenhum, pois geram 62% do valor bruto da produção agrícola; agregam 25,6% do pessoal ocupado (na maior parte dos casos com carteira de trabalho assinada); produzem 84% da soja (que junto com o milho é a base para a produção de leite, carnes, ovos e proteínas de origem animal); 79% do trigo; 66% do arroz; 54% do milho; 30% do feijão; 42% do leite; 50% das aves; 41% dos suínos e 70% da produção de bovinos.

Onde buscaríamos alimentos se o agricultores familiares, patronais e empresarias não estivessem investindo e cumprindo com a sua função social? Dificilmente a agricultura camponesa seria capaz de suprir toda a demanda, pois produz para o autoconsumo. Com isso, não quero menosprezar os agricultores camponeses, mas alertar as autoridades que os produtores que ainda estão na fase pré-capitalista devem ser assistidos por políticas públicas que lhes garantam condições de produção e renda análogas às condições dos agricultores familiares integrados ao agronegócio.

Por fim, o agronegócio brasileiro, mesmo com problemas de concentração, garante renda para os produtores e alimentos para as pessoas, é forte e competitivo. Por isso, descarto totalmente a contribuição dessas ONGs ambientalistas gerida por pessoas que não conseguem associar a satisfação de suas demandas alimentares com o agronegócio e a agricultura familiar.

Comentários

Braso disse…
muito bom editorial, esclarece a todos nos agricultores que ouvimos da mídia urbana muitas mentiras sobre a agricultura familiar no Brasil.
rui disse…
Parabéns pela análise!! tanto o dono de uma padaria como o maior industrial são dois empresários, nem por isto disputam entre si.Esta diferenciação que se estabelece no campo é feita pela ideologia barata de falsos ambientalistas e lideres extremistas e atrasados. Este falso confronto desce ao nível de sindicatos rurais, onde nos dias atuais o sind dos trabalhadores encampa os agricultores familiares. Data Vênia pura ideologia, produziu é produtor rural, trabalha como empregado é empregado rural.. ponto final.
Rui Queiroz
Eng,Produtor , Presidiu a comissão nacional de Café da CNA de 1991 a 2000
Machadil disse…
Parabéns pela análise, por desmistificar inverdades repetidas á exaustão, tal como " a agricultura familiar no RS ser responsável por 27% do PIB"
Luiz Prado disse…
A análise é perfeita. Mas a definição legal de agricultura familiar no Brasil é antiquada e tola. Seria melhor dizer apenas "pequenas propriedades", já que uma familia de produtores pode requerer mão de obra externa temporária (colheita de uvas, em diversos países, por exemplo) ou ter um filho que se tornou médico ou prefeito de uma pequena cidade e ainda mora com os pais por opção ou edificou a sua casa na mesma propriedade. Essas coisas vagas e antiquadas deixam os pequenos produtores insegures e reféns da interpretação do agnete do poder público.
Antonio Sodré disse…
Parabéns aos que estão dando continuidade ao magnifico trabalho desenvolvido pelo Ciro. Quanto a esta visão distorcida da agricultura familiar vejo que os pequenos produtores, empreendedores rurais estão ganhando com a "expansão" do termo agricultura familiar. Mais adiante chegará o dia da verdade. Até lá que todos os pequenos empresários rurais possam se aproveitar da sua classificação como agricultores familiares. Antonio Sodré Presidente da ASSOMOGI Associação dos Produtores Rurais do Vale do Mogi.
Clauden Eye disse…
Bom ver que o blog continuará e, pelo jeito, em boas mãos!