Artigo de Aldo Rebelo publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo
Na história recente do Congresso Nacional, nenhuma lei foi tão debatida, internamente e em audiências públicas, quanto a do novo Código Florestal. Foram dez anos de discussões e consultas à sociedade. Como todo acordo razoável, o resultado final não agradou inteiramente às partes, grosseira e impropriamente polarizadas em ruralistas e ambientalistas. Mas a lei veio à luz para cumprir o seu papel ambivalente de zelar pela conservação do meio ambiente e tornar viável a atividade agropecuária.
De um cenário de campo conflagrado, as cicatrizes estavam se fechando; a segurança do agricultor, em reconstrução; a pujante agricultura nacional, incentivada a continuar conquistando mercados dominados por países ricos - até que apareceu o Ministério Público (MP) para reabrir o debate ao questionar a constitucionalidade de 23 dispositivos da nova legislação. A Procuradoria-Geral da República encaminhou ao Supremo Tribunal Federal três ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) que estigmatizam reformas feitas pelo Congresso acerca das áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal e da suposta anistia a produtores rurais punidos por degradação ambiental.
Ao contrário do que argumenta a Procuradoria, contudo, a Lei 12.651, ainda retocada por nove vetos da presidente da República, Dilma Rousseff, não encerra retrocesso nem ofende a Constituição. O mesmo artigo 23 da Carta Magna que atribui competência ao poder público para "proteger o meio ambiente" e "preservar as florestas, a fauna e a flora" também determina que lhe compete "fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar". Ao conciliar as vertentes de preservação e produção, o Congresso aperfeiçoou e manteve a nossa legislação ambiental como a mais rigorosa do mundo.
Difícil é desfazer a lenda maliciosa, urdida no exterior e aqui medrada, de que os brasileiros calcinam o meio ambiente, pois, em verdade, somos o país que mais preservou suas florestas. Enquanto os Estados Unidos e a Europa destruíram as deles e as da Ásia, o Brasil manteve em pé nada menos que 69,4% da vegetação nativa. Não é, portanto, a proteção da natureza que está no centro da questão.
A agressividade ambientalista, recheada de alarmismo, que grassa entre nós como erva daninha, tem como pano de fundo o crescente protagonismo do Brasil no comércio de produtos agrícolas. Incapazes de concorrer com as vantagens comparativas de que dispomos, para produzir alimentos fartos e baratos que lhes tomam divisas, países desenvolvidos desfraldam a bandeira de "florestas lá, agricultura aqui". Quanto maiores forem as salvaguardas ambientais impostas ao concorrente, as mesmas que eles não seguem, menor será o crescimento da agropecuária brasileira. Daí por que, incentivadas por seus governos, e contando com a boa-fé de militantes engajados nesta justa causa da humanidade, organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas de origem estrangeira tentam inscrever na lei brasileira a defesa dos interesses estratégicos que representam.
A legislação ambiental do Brasil, preconizada pelo Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, no século 19, é salutar e rigorosa. O primeiro Código Florestal, de 1934, foi radicalmente alterado em 1965, embora conservando os parâmetros que revestiam sua ambivalência. Nas décadas de 1980 e 1990, uma série de mudanças abusivas foi introduzida, algumas delas por medida provisória, como o aumento das áreas de preservação permanente. Um monstrengo jurídico passou incólume pelo escrutínio seletivo dos jurisconsultos de ocasião: a tipificação de crime ambiental com efeito retroativo. O produtor rural dos nossos dias passou a ser responsabilizado por desmatamentos praticados desde o início da exploração da terra, não importa se nos primórdios da colonização do País. Muitíssimos foram multados em valores que excediam o da propriedade. Outros, impedidos de receber financiamento. Todos deveriam arrancar lavouras para replantar mata nativa. A deformidade prejudicou principalmente os pequenos proprietários, que dispõem de pouca terra para semear. Dos 5,1 milhões de imóveis rurais cadastrados no Brasil, 4,3 milhões (84,4%) classificam-se como de agricultura familiar, com área média de 18 hectares. Os grandes proprietários (acima de mil hectares) controlam 46 mil estabelecimentos.
O Congresso Nacional agiu para simultaneamente preservar a natureza e tirar o agricultor da ilegalidade. As multas absurdas podem ser convertidas em serviços de preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente. A isso se chamou indevidamente de anistia, cabendo citar aqui, mais uma vez, a definição do Barão de Itararé (o humorista político Apparício Torelly, 1895-1971): "Anistia é o ato pelo qual o governo perdoa generosamente crimes que ele próprio cometeu". Outro avanço da reforma foi respeitar a atividade agrícola nas várzeas - prática mundial tão antiga quanto a agricultura, mas que o Código Florestal criminalizava. A exigência de replantio de mata nas áreas cultivadas às margens dos cursos d'água passou a ser proporcional ao tamanho do imóvel. Tais avanços são tachados de inconstitucionais.
Como as ONGs não têm legitimidade para propor Adins, um setor do Ministério Público assumiu a tarefa de desqualificar o Congresso em seu papel soberano e discricionário de legislar ungido da prerrogativa de poder popular por excelência. Leis são pactos sociais costurados com a linha da democracia pelos representantes do povo. Tal poder é exclusivo do Parlamento. Vem a propósito a observação de renomado professor de que "o MP é o braço institucional das ONGs", na medida em que essas entidades tentam extorquir "dos Poderes constituídos o que estes, e só estes, podem fazer - em especial o que depende de se legislar ou de ou de se fazer cumprir a lei".
Aldo Rebelo é Deputado Federal, Ministro do Esporte e foi relator do Código Florestal. A foto é de Fábio Rodrigues Pozzebom, da Agência Brasil.
Na história recente do Congresso Nacional, nenhuma lei foi tão debatida, internamente e em audiências públicas, quanto a do novo Código Florestal. Foram dez anos de discussões e consultas à sociedade. Como todo acordo razoável, o resultado final não agradou inteiramente às partes, grosseira e impropriamente polarizadas em ruralistas e ambientalistas. Mas a lei veio à luz para cumprir o seu papel ambivalente de zelar pela conservação do meio ambiente e tornar viável a atividade agropecuária.
De um cenário de campo conflagrado, as cicatrizes estavam se fechando; a segurança do agricultor, em reconstrução; a pujante agricultura nacional, incentivada a continuar conquistando mercados dominados por países ricos - até que apareceu o Ministério Público (MP) para reabrir o debate ao questionar a constitucionalidade de 23 dispositivos da nova legislação. A Procuradoria-Geral da República encaminhou ao Supremo Tribunal Federal três ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) que estigmatizam reformas feitas pelo Congresso acerca das áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal e da suposta anistia a produtores rurais punidos por degradação ambiental.
Ao contrário do que argumenta a Procuradoria, contudo, a Lei 12.651, ainda retocada por nove vetos da presidente da República, Dilma Rousseff, não encerra retrocesso nem ofende a Constituição. O mesmo artigo 23 da Carta Magna que atribui competência ao poder público para "proteger o meio ambiente" e "preservar as florestas, a fauna e a flora" também determina que lhe compete "fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar". Ao conciliar as vertentes de preservação e produção, o Congresso aperfeiçoou e manteve a nossa legislação ambiental como a mais rigorosa do mundo.
Difícil é desfazer a lenda maliciosa, urdida no exterior e aqui medrada, de que os brasileiros calcinam o meio ambiente, pois, em verdade, somos o país que mais preservou suas florestas. Enquanto os Estados Unidos e a Europa destruíram as deles e as da Ásia, o Brasil manteve em pé nada menos que 69,4% da vegetação nativa. Não é, portanto, a proteção da natureza que está no centro da questão.
A agressividade ambientalista, recheada de alarmismo, que grassa entre nós como erva daninha, tem como pano de fundo o crescente protagonismo do Brasil no comércio de produtos agrícolas. Incapazes de concorrer com as vantagens comparativas de que dispomos, para produzir alimentos fartos e baratos que lhes tomam divisas, países desenvolvidos desfraldam a bandeira de "florestas lá, agricultura aqui". Quanto maiores forem as salvaguardas ambientais impostas ao concorrente, as mesmas que eles não seguem, menor será o crescimento da agropecuária brasileira. Daí por que, incentivadas por seus governos, e contando com a boa-fé de militantes engajados nesta justa causa da humanidade, organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas de origem estrangeira tentam inscrever na lei brasileira a defesa dos interesses estratégicos que representam.
A legislação ambiental do Brasil, preconizada pelo Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, no século 19, é salutar e rigorosa. O primeiro Código Florestal, de 1934, foi radicalmente alterado em 1965, embora conservando os parâmetros que revestiam sua ambivalência. Nas décadas de 1980 e 1990, uma série de mudanças abusivas foi introduzida, algumas delas por medida provisória, como o aumento das áreas de preservação permanente. Um monstrengo jurídico passou incólume pelo escrutínio seletivo dos jurisconsultos de ocasião: a tipificação de crime ambiental com efeito retroativo. O produtor rural dos nossos dias passou a ser responsabilizado por desmatamentos praticados desde o início da exploração da terra, não importa se nos primórdios da colonização do País. Muitíssimos foram multados em valores que excediam o da propriedade. Outros, impedidos de receber financiamento. Todos deveriam arrancar lavouras para replantar mata nativa. A deformidade prejudicou principalmente os pequenos proprietários, que dispõem de pouca terra para semear. Dos 5,1 milhões de imóveis rurais cadastrados no Brasil, 4,3 milhões (84,4%) classificam-se como de agricultura familiar, com área média de 18 hectares. Os grandes proprietários (acima de mil hectares) controlam 46 mil estabelecimentos.
O Congresso Nacional agiu para simultaneamente preservar a natureza e tirar o agricultor da ilegalidade. As multas absurdas podem ser convertidas em serviços de preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente. A isso se chamou indevidamente de anistia, cabendo citar aqui, mais uma vez, a definição do Barão de Itararé (o humorista político Apparício Torelly, 1895-1971): "Anistia é o ato pelo qual o governo perdoa generosamente crimes que ele próprio cometeu". Outro avanço da reforma foi respeitar a atividade agrícola nas várzeas - prática mundial tão antiga quanto a agricultura, mas que o Código Florestal criminalizava. A exigência de replantio de mata nas áreas cultivadas às margens dos cursos d'água passou a ser proporcional ao tamanho do imóvel. Tais avanços são tachados de inconstitucionais.
Como as ONGs não têm legitimidade para propor Adins, um setor do Ministério Público assumiu a tarefa de desqualificar o Congresso em seu papel soberano e discricionário de legislar ungido da prerrogativa de poder popular por excelência. Leis são pactos sociais costurados com a linha da democracia pelos representantes do povo. Tal poder é exclusivo do Parlamento. Vem a propósito a observação de renomado professor de que "o MP é o braço institucional das ONGs", na medida em que essas entidades tentam extorquir "dos Poderes constituídos o que estes, e só estes, podem fazer - em especial o que depende de se legislar ou de ou de se fazer cumprir a lei".
Aldo Rebelo é Deputado Federal, Ministro do Esporte e foi relator do Código Florestal. A foto é de Fábio Rodrigues Pozzebom, da Agência Brasil.
Comentários
O MP tinha a obrigação, mas não cumpriu, de entrar com Ações de Inconstitucionalidade contra o antigo, e o novo, Código Florestal por pelo menos dois motivos: 1) retroatividade para prejudicar o "réu" que ocupou alguma APP ou RL no tempo que a Lei permitia; 2) enorme Injustiça Social que joga sobre os rurais todo o ônus da Preservação, que é necessária justamente para compensar a degradação causada pelos consumismo irresponsável dos Urbanos.
A pergunta é: quando o MP não cumpre a sua obrigação, e ainda extrapola na perseguição aos rurais, a quem se pode apelar?
Eles estão muito bem, não dependem de ninguém, não prestam contas a ninguém, têm vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios, imunidade, belos salários, alguns privilégios, 60 dias de férias por ano, aposentadoria integral, etc.
Deveriam pelo menos, em vez de entrarem na conversa de pseudo ambientalistas, cumprir sua obrigação de defender os rurais de Leis irracionais, sem fundamentos técnico-científico e ineficazes, que retroagem para prejudicar os rurais e que impõe um ENORME INJUSTIÇA SOCIAL aos rurais obrigando-os a arcar sozinhos com o custo da Preservação.
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