Extinção ou evolução: O que será da pecuária brasileira?

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Semana passada publiquei aqui um post sobre a extinção da pecuária: A pecuária brasileira a caminho da extinção. O texto provocou alguma polêmica e com ajuda do Facebook se tornou um dos mais lidos da história deste blog que estava meio morto depois do fim da reforma da Código Florestal, assim como as ONGs. Na verdade o texto estava, por assim dizer, impreciso. Não é a pecuária brasileira que está a caminho da extinção, mas o pecuarista. Permitam-me contar-lhes uma história pessoal.

Quando eu comecei a me entender por gente, há uns trinta e poucos anos atrás, meu pai praticava uma pecuária semelhante àquela praticada pelo meu avô e muito parecida com aquela praticada pelos primeiros pecuaristas do Brasil do século XVII. Chamavam de fazendas, mas na realidade eram currais de gado.

Os animais eram criados em pastos naturais, os únicos medicamentos de que me lembro eram o Benzocreol e o Lepecid, mas só os pecuaristas mais avançados os usavam assim como o sal branco puro sem mistura mineral. Não haviam cercas, os animais eram o que se chamava de curraleiro, resquícios dos primeiros bovinos entrados no Brasil pelos portugueses, animais de leite gordo, berro agudo e chifres longos. Os animais eram abatidos com sete ou oito anos medidos em eras. Era uma pecuária extensiva de baixíssima produtividade.

Os vaqueiros ganhavam o que se chamava de "sorte", um animal em cada cinco que sobrevivam no final da cada ano. Geralmente eu, ainda moleque, só ia nessas "fazendas" uma vez por ano na ocasião em que o gado era ferrado e a "sorte" era paga ao vaqueiro e a seus ajudantes. Eram festas anuais.


Quando fiz faculdade, já no final dos anos noventa, li um brilhante relato sobre esse tipo de pecuária no segundo volume do livro de Padre jesuíta João Daniel, escrito no século XVIII. Quem quiser aprender com essa descrição clique aqui, compre o livro e leia o Capítulo 10º do segundo volume. Entre o século XVII e o início do século XX a pecuária mudou pouco.

Mas há quarenta e poucos anos atrás meu hoje velho pai era um homem jovem. Fez alguma amizade com uns pecuaristas tomadores de Whisky do sul do Brasil e aprendeu coisas novas. Começou a substituir o capim nativo por espécies exóticas cultivadas. Cercou os pastos com arame liso, trocou o pastejo contínuo em áreas abertas pelo pastejo contínuo em pastos cercados com mais controle sobre o consumo de forragem e sobre os animais. Trocou o gado curraleiro pelo nelore, o sal branco pelo sal mineral, o Lepecid pela Ivermectina e a sorte pelo salário. O velho fez um revolução tecnológica no sertão.

Ele conta hoje que os pecuaristas tradicionais da região riam e caçoavam dele. Diziam que "o vermelhão estava gastando dinheiro nas fazendas para depois vender pra eles". Vermelhão era como os pecuaristas tradicionais chamavam meu pai que era branco e não tinha, ainda, a couro curtido pelo sol.

Hoje esses pecuaristas tradicionais não existem mais. As fazendas deles, o São Bento, o São Pedro, o Taboleirão, a Boa Vista, a Sirigada, o Chapadão do Ronca e várias outras são hoje partes da nossa. Algumas são retiros, outras são só um ou dois pastos. Quando se anda pela fazenda aqui e ali a gente encontra um sítio abandonado, uma tapera, um que outro resquício de curral ou de cercado. Quase ninguém lembra mais dos seus antigos donos. As histórias de cada um deles na pecuária foram encerradas. Acabaram. Foram extintos.

Aquele post que escrevi sobre o a extinção da pecuária era um pouco disso. As (r)evoluções tecnológicas de forma geral, e também na pecuária, deixam consequências.

A pecuária brasileira passa hoje por um momento importante. Uma nova (r)evolução tecnológica nos será imposta nos próximos anos e ela terá efeitos sobre nós, sobre nossas histórias e sobre nosso futuro.

Que efeitos serão esses? Como essa evolução tecnológica aferá nossas escalas de produção? Como será nossa pecuária daqui a trinta e poucos anos? Quem de nós terá a história na pecuária encerrada por uma plantadeira de soja ou pela capacidade financeira de outro pecuarista? Nossas casas virarão galpões de vasilhames de agroquímicos triplicemente lavados?

São perguntas que angustiam esse blogueiro. Essa estória de intensificação fácil da pecuária como forma de liberar áreas para Deus e o mundo é, literalmente, conversa pra boi dormir. A intensificação é sim possível, mas ela não se fará sem custo nem sem consequências. Tem caroço nesse angu e nós precisamos esmiuça-lo. E não é apenas a questão da uso da terra. Temos desafios na concentração dos frigoríficos distorcendo a cadeia inteira, teremos a carne de proveta em alguns anos.

Nós, os apaixonados pela pecuária, deveríamos nos debruçar com mais cuidado sobre esses temas hoje porque o futuro está bem aí.

Comentários

Parabéns, Ciro, excelente artigo. Abraço.
SOU PRODUTOR RURAL E TECNICO AGROPÉCUARIA, TENHO ACOMPANHADO NA MINHA TRAJETORIA UMA CONSTANTE DECADÊNCIA DA ATIVIDADE RURAL, POR FALTA DE TECNOLOGIA TROPICALISTA E SUA
APLICAÇÃO COM CONHECIMENTO DE CAUSA E CONSEGUENCIA DOS ATOS COMO DRENAGEM DE BREJOS CORREGOS E DESMATAMENTO DE NASCENTES, O NÃO RESPEITO A VIDA DO SOLO, DE FORMA QUE AS PROPRIEDADES NÃO FICAM POR MAIS DE UMA GERAÇÃO NAS MÃOS
DE SEUS DONOS , ME PERGUNTO GUANDO ISTO VAI MUDAR?
Ajuricaba disse…
Não creio que o problema seja falta de tecnologia, tampouco acredito que a decadência da atividade rural seja uma constante. A agricultura brasileira vem se expandindo e melhorando há décadas. Acho sim que há um problema de adoção de tecnologia e adequação de sistemas produtivos.