Respeito e glória ao cavalo, por Aldo Rebelo #Vaquejada #Tradição #História #Pecuária

Desde o começo da colonização do Brasil, Portugal foi pródigo em intercambiar a flora de suas possessões, trazendo a jaqueira, a mangueira, o coqueiro, mas não introduziu animais silvestres estranhos à fauna autóctone. Vieram bichos domesticados, como a galinha que Cabral apresentou aos índios, e sobretudo uma dádiva do processo civilizatório do Novo Mundo, o cavalo.

A este equídeo nativo das estepes da Europa e da Ásia a humanidade deve boa parte de suas conquistas e de suas glórias. Deve mesmo a liberdade, como observou o filósofo Karl Marx nos “Manuscritos”, a propósito dos povos nômades. A liberdade de ir mais longe, de palmilhar terras ínvias, de transportar homens e ferramentas que forjariam o progresso.

Desde cedo a equitação se tornou uma técnica, de aplicação utilitária, militar, lúdica ou competitiva. A arte da cavalaria da aristocracia europeia enraizou-se no povo brasileiro na forma de vaquejadas, cavalhadas e rodeios, folguedos de densidade cívica, religiosa e recreativa. Como disse Machado de Assis, encontramos “a amizade no cão, o orgulho no cavalo”. Esporte de competição, o hipismo integra os Jogos Olímpicos, em que o cavaleiro Rodrigo Pessoa, seguindo os passos do pai, o lendário Nélson, já conquistou a medalha de ouro.

Essas considerações vêm a propósito da iniciativa do Ministério do Esporte de preparar a regulamentação da prática dos esportes equestres. A medida faz-se necessária para prevenir as tentativas de limitar o uso do cavalo em competições e até nas festas tradicionais, estigmatizando-as de maus-tratos, como a “farra do boi”. Acenam com interdições sem considerar não só a tradição entranhada na relação cultural e afetiva entre homem e cavalo na formação social, como também na importância do animal como força motriz na economia do Brasil.

Há de se ter cautela para introduzir na legislação qualquer restrição ao uso do cavalo – e não só por causa dos aspectos lúdicos e cívicos. Nas palavras dos que são do ramo, a “indústria do cavalo” é um segmento importante na economia do Brasil. A manada nacional aproxima-se de seis milhões de animais, gerando negócios que avultam a 7,3 bilhões de reais e 3,2 milhões de empregos diretos e indiretos.

O Brasil até exporta a carne para o Japão e países da Europa, como Bélgica, França e Itália, onde é onipresente nos embutidos, do hambúrguer à salsicha, por realçar o paladar e avivar a cor dos alimentos. Mas os frigoríficos só processam animais já descartados, pois no Brasil não se produzem espécimes para abate. Nunca se desenvolveu entre nós o hábito de comer a carne, tida como iguaria e base de pratos célebres em outras culturas, como o bife tártaro.

Desenvolvemos uma raça brasileira, o manga-larga, animal de montaria oriundo do cruzamento de éguas comuns com um puro sangue alter que pertencera a dom João VI. Hoje, desfilam garbosos em todo o território nacional o manga-larga marchador e o manga-larga paulista, animais de andamento regular e elegante.

O projeto de regulamentação dos esportes equestres em gestação no Ministério do Esporte assegura, em primeiro lugar, respeito e bons tratos ao animal, considerando-o protagonista em qualquer atividade de que participe, acima dos cavaleiros que se exibem em festas populares e dos interesses comerciais dos organizadores de competições. Previne nesses termos as tentativas de se proibirem manifestações como a vaquejada, mais difundida no Nordeste, onde se realizam até campeonatos mundiais, e a cavalhada, de que são célebres as do Rio Grande do Sul, a de Pirenópolis (GO) e a de Poconé (MT), encenações da tradicional peleja entre mouros e cristãos em que o cavalo era herói.

Nenhum cavaleiro digno do nome deixa de respeitar a vida, os limites físicos e o bem-estar do animal que cavalga, mas para alertar os desavisados há de se impor a presença de um veterinário como “responsável técnico”.

O grande objetivo da regulamentação é garantir o direito histórico do cidadão brasileiro de andar a cavalo e unir-se ao animal em recreações já enraizadas na sociedade como bens de natureza imaterial que integram o patrimônio cultural da nação.

_______________________
Aldo Rebelo foi Ministro do Esporte e deputado federal PCdoB/SP. Esse artigo foi publicado em duas partes no jornal Diário de S. Paulo em 2013. A foto é de Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado.

Veja o que este blogger já publicou sobre o (o)caso da vaquejada:

Vaquejadas: proibição é avanço? Não parece. Por Levi Vasconcelos

STF decide que vaquejada é ilegal

Decisão do STF sobre vaquejada pode alcançar o Rodeio e outras provas que envolvem animais

Supremo Tribunal Federal pode proibir a vaquejada no Brasil

Comentários