João de Deus Medeiros Falando no ouvidinho do Senador Jorge Viana durante a votação do texto na CMA |
Para tanto é preciso voltar um pouco no tempo para entendermos como o atual Artigo Primeiro foi parar no texto do novo Código Florestal. O primeiro relatório com o texto de reforma do Código Florestal aprovado no legislativo foi o texto do Relatório Rebelo. Fruto das várias audiências públicas que o Deputado Aldo Rebelo fez pelo Brasil na busca e subsídios para a redação de seu relatório. O Artigo Primeiro do Relatório de Aldo Rebelo, redigido pela assessoria legislativa da Câmara, era um Artigo técnico. Obedecia estritamente o que rege a Técnica Legislativa segundo a qual todo artigo primeiro de qualquer lei deve descrever de forma objetiva o conteúdo dos demais artigos subsequentes.
O Artigo Primeiro do Relatório Rebelo, aprovado na primeira votação da Câmara dos Deputados foi o seguinte: "Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, dispõe sobre as áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal, define regras gerais sobre a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e a prevenção dos incêndios florestais e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos." Repare que o texto é objetivo, simples e se limita a descrever de forma resumida o conteúdo da lei.
Logo após ter sido aprovado pela Comissão Especial da Câmara o texto de reforma do Código Florestal, com o Artigo 1º acima, foi submetido e aprovado pelo plenário da Câmara e enviado para a apreciação no Senado Federal. Naquela casa o texto foi apreciado pela Comissão de Constituição de Justiça, pela Comissão de Agricultura e pela Comissão de Ciência e Tecnologia. Em todas elas o texto aprovado tinha o mesmo Artigo Primeiro do Relatório Rebelo transcrito acima. Foi quanto aconteceu a alteração.
Almoço dos ecólatras em homenagem a João de Deus (no canto direito de camisa branca) por sua atuação junto aos Senadores na reforma do Código Florestal |
João Deus Medeiros é um ongueiro de carreia. Foi posto no Ministério do Meio Ambiente por Marina Silva e foi mantido pelos ministros que a sucederam: Carlos Minc e Izabella Teixeira. Foi destacado por Izabella para atuar junto aos senadores durante da tramitação do Código Florestal. Foi ele (com ajuda sabe-se lá de quem) que redigiu o Artigo 1º que hoje vige por força da Medida Provisória 571. Foi por influência de João de Deus que o Artigo Primeiro do Texto original da Câmara foi substituído.
Eu estava em Brasília no dia da votação do texto do Código Florestal na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Todas as análises do texto feitas pelo pessoal que defende a agricultura brasileira identificaram o problema do Artigo Primeiro, mas não havia condições políticas para alterar o texto naquele momento.
Ocorre que o texto aprovado no Senado com o Artigo 1º das ONGs teve que ser apreciado uma vez mais pela Câmara. Nessa votação o texto do Artigo 1º posto no texto por João de Deus foi substituído pelo Artigo 1º original, do Relatório Rebelo.
O texto com o Artigo 1º original foi aprovado pelo Plenário do Câmara e enviado para sanção ou veto da chefe do poder Executivo, Presidente Dilma Rousseff.
Por falta de influência do Ministro da Agricultura, o bocaberta, e influência da Ministra do Meio, Izabella Teixeira, a mesma que destacou João de Deus para mexer no texto durante a tramitação do Senado, Dilma vetou o Artigo 1º original e enfiou de volta no texto o Artigo 1º das ONGs através da Medida Provisória 571. O texto que vale hoje é o aquele construído por João de Deus Medeiros e comemorado pelos ongueiros.
Por que o texto do Artigo 1º é prejudicial aos produtores
Veja a íntegra do Artigo 1º que está valendo com a redação das ONGs:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais com o fundamento central da proteção e uso sustentável das florestas e demais formas de vegetação nativa em harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico, atendidos os seguintes princípios:
I – reconhecer as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa como bens de interesse comum a todos os habitantes do País;
II – afirmar o compromisso soberano do Brasil com a preservação das suas florestas e demais formas de vegetação nativa, da biodiversidade, do solo e dos recursos hídricos e com a integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras;
III – reconhecer a função estratégica da produção rural na recuperação e manutenção das florestas e demais formas de vegetação nativa e do papel destas na sustentabilidade da produção agropecuária;
IV – consagrar o compromisso do País com o modelo de desenvolvimento ecologicamente sustentável, que concilie o uso produtivo da terra e a contribuição de serviços coletivos das florestas e demais formas de vegetação nativa privadas;
V – coordenar a ação governamental de proteção e uso sustentável de florestas com a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a Política Agrícola, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, a Política de Gestão de Florestas Públicas, a Política Nacional sobre Mudança do Clima e a Política Nacional da Biodiversidade;
VI – estabelecer a responsabilidade comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais;
VII – fomentar a inovação em todas as suas vertentes para o uso sustentável, a recuperação e a preservação das florestas e demais formas de vegetação nativa;
VIII – criar e mobilizar incentivos jurídicos e econômicos para fomentar a preservação e a recuperação da vegetação nativa, bem como para promover o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis.
O primeiro problema da redação do Artigo 1º acima, escrito pelas ONGs, é o fato que ele não se limita a fazer o deve fazer todo artigo primeiro de qualquer lei: descrever de forma sucinta e objetivo o conteúdo dos artigos subsequentes. Isso é ilegal.
Mas o maior problema não é esse. A lei reconhece formalmente as florestas como bens de interesse social, mas não há nenhum outro regramento que reconheça formalmente a produção agrícola como bem de interesse social. Além disso, ao estabelecer como um dos princípio da lei "a função estratégica da produção rural na recuperação e manutenção das florestas e do papel destas na sustentabilidade da produção agropecuária" o texto relega ao segundo plano a produção agropecuária em detrimento da preservação de florestas em imóveis privados. No futuro, quando juízes e promotores exercitarem a aplicação da lei, em casos onde a proteção de florestas se chocar com a produção agrícola as decisões serão todas em favor da proteção florestal mesmos nos casos em que essa proteção implicar em prejuízo à produção.
Da forma como estão colocados os princípios da lei tornam a produção agropecuária de alimentos uma atividade de importância secundária. É isso o que a sociedade brasileira deseja?
O que será necessário fazer para alterar o Artigo Primeiro das ONGs
Há duas formas possíveis de se derrubar o Artigo Primeiro das ONGs do texto do novo Código Florestal: (i) Derrubar o veto do Executivo ao Artigo 1º, ou (ii) alterá-lo no processo de tramitação da Medida Provisória. De ontem para cá vem sedimento um consenso em Brasília de que não há clima político para se derrubar os vetos do Executivo. Os representantes do setor rural e os deputados da frente parlamentar da agropecuária estão praticamente decididos pela segunda opção.
Entenda como funciona a tramitação das Medidas Provisórias
- Publicação da Medida Provisória no Diário Oficial da União - Ocorrida ontem;
- No mesmo dia, recebimento pelo Congresso Nacional da mensagem do Poder Executivo - idem;
- Prazo para Emendas: 5 dias ou só poderão ser apresentadas emendas de relator, sem poder incluir nada de novo - prazo correndo;
- Comissão Mista: será constituída por deputados e senadores, poderão constituir grupo de trabalho, realizar audiência pública para elaboração de um parecer e, posterior votação. É decisão interna de como será elaborado o relatório - cogita-se o nome do Senado Luiz Henrique da Silveira para a relatória, mas definição ainda não saiu;
- Votação no Plenário da Câmara dos Deputados;
- Votação no Plenário do Senado Federal;
- Retorno à Câmara dos Deputados caso o Senado altere o texto;
- Tudo deve acontecer em 60 dias contados de ontem (59 contados de hoje);
- Caso não seja apreciada no prazo a MP tranca a pauta das duas casas até que seja apreciada;
Outros pontos, além do Artigo 1º, terão que ser alterados durante a tramitação da Medida Provisória. A guerra não acabou.
Veja também uma argumentação jurídica pela necessidade de alteração do Artigo Primeiro: Art. 1º do código florestal de 2012 – por que excluir os princípios
Veja o Advogado Geral da União, Luiz Inácio Adams, explicando que os princípios servem para que os agentes públicos (Ministério Público, Ibama e o judiciário) possam reinterpretar a lei: O mundo ao contrário: Advogado Geral da União explica o Artigo 1º
Comentários
Abraco
Eduardo Alves
o III ainda fala da produção agropecuaria, o IV do usso produtivo da terra o V da politica agricola, mas precisa ser melhor rediginto de forma sucinta e objetiva. para que não haja duvidas em julgamentos.
exata para antrópico, palavra que vem do grego, que póde bem definir humano ( ocupação humana) ou ação perpetrada por
humano no solo. o mais certo seria definir no texto ocupação humana préexistente.
legal, é meio que.. nós cagamos e vocês limpam..
Eu tenho MUITAS preocupações com esse "leiloca". Uma delas é quem pagará pela delimitação da tal da APP?
No Rio, nas últimas décadas, o cara entrava com um pedido para demarcar no lote agro-industrial, pagava uma taxa de valor alto, e aí o órgão encarregado contratava uma empresa de consultoria que fazia lá as simulações das séries históricas de cheias. Tinha licitação, pagamento da primeira parcela que não liberava nunca, e aí vinha o relatório, e tinha que transformar em portaria ou decreto. Tudo levava entre 1 e 2 anos.
E aí, vinha o dono do lote à montante, lindeiro, e começava tudo de novo do ZERO.
Entendeu, Ciro Siqueira?
Esses caras são uma piada, não definem as OBRIGAÇÕES DO GOVERNO! Nem sequer metas! Em país sério, isso está tudo em banco de dados acessível a qualquer interessado.
O mundo real restará aqui indiferente ao mundo dos sonhos.
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