Cada propriedade tem sua própria história


Bill Scott, 82, pai de Craig Scott, mostrando uma fotografia de seu avô, que iniciou a fazenda da família em 1902, em Ransom, Kansas, EUA.
O Cinturão Verde (Corn Belt) dos Estados Unidos está indo pro saco: Logo haverá menos de dois milhões de fazendas na América no Norte pela primeira vez desde que os pioneiros ocuparam o oeste do país.

Uma queda de vários anos nos preços do milho, trigo e outras commodities agrícolas provocada por um excesso de grãos em todo o mundo está deixando muntos agricultores americanos endividados. Alguns estão falindo e levantando a preocupação sobre a maior onda de falência e êxodo rural 1980.

A participação dos EUA no mercado global de grãos é menos da metade do que era na década de 1970. Os rendimentos dos agricultores americanos caíram 9% em 2017, de acordo com estima o Departamento de Agricultura dos EUA, a maior queda desde a crise de 1929. "Você continua apertando em breve não há mais como apertar", disse Craig Scott, ao The Wall Street Journal. Craig é quinta geração de uma família de agricultores do Kansas.

Da varanda da fazenda família, o homem de 56 anos pode ver o vento açoitar o local onde ficava a casa que seus bisavós construíram em 1902 quando plantaram os primeiros 500 hectares que sua família cultiva hoje com alfafa, sorgo e trigo. Mesmo após a colheita de uma de suas melhores safras de trigo no ano passado, graças à chuva abundante e um inverno suave, Scott não tem certeza de quanto tempo eles podem se dar ao luxo de manter a agricultura na propriedade.

Os custos de sementes, fertilizantes e equipamentos subiram tanto e os preços dos grãos caíram tão baixos que ele perdeu dinheiro na safra. Scott decidiu reduzir um terço da área plantada com trigo de inverno. Os agricultores dos EUA semearam a menor área de trigo de inverno nesta temporada em mais de um século.

"Já não há mais fazendas de cereais", disse Deb Stout, cujos filhos, Mason e Spencer, cultivam os 810 hectares da família em Sterling, Kansas. Spencer também trabalha como mecânico, e Mason é um carteiro substituto. "Ter um trabalho paralelo parece ser a única maneira de fazer funcionar", diz ela.

Ela e seu marido declararam falência. Os agricultores em torno de Sterling perderam US$ 6.400 em média em 2015, de acordo com os dados mais recentes disponíveis, de acordo com a Kansas Farm Management Association.

A agricultura sempre teve altos e baixos. Mas hoje as oscilações são mais nítidas e menos previsíveis. Agora que a economia agrícola tornou-se mais global, com mais países cultivando alimentos para exportação, bem como para suas próprias populações.

A participação dos agricultores americanos no comércio mundial de grãos caiu de 65% em meados da década de 1970 para 30% hoje, o que lhes deu menos influência sobre os preços. Mais produtores e mais compradores em todo o mundo também significam mais interrupções potenciais de mau tempo, fome ou crise política.

Os preços do milho costumavam variar menos de US$ 1 por bushel ao longo do ano. Desde 2006 eles caíram mais de US$ 4 por bushel.

Uma década atrás, um boom de biocombustíveis nos EUA e a crescente classe média da China elevaram os preços de culturas como milho e soja. Muitos produtores americanos investiram em novas áreas e equipamentos de meio milhão de dólares.

O boom também incentivou os agricultores de outros países a acelerar a produção. Agricultores de todo o mundo puseram mais de 70 milhões de hectares em novas áreas em produção na última década. Custos de produção mais baixos, proximidade com mercados de rápido crescimento e melhoria da infra-estrutura deram vantagens a fazendeiros de fora dos EUA.

A produção de milho e trigo nunca tão grande, e nunca foi tão grande a quantidade de grãos armazenado fora dos EUA.

Desde o início dos anos 1800 até a Grande Depressão, o número de fazendas dos EUA cresceu de forma constante à medida que os pioneiros se espalhavam para oeste do rio Mississippi. As famílias geralmente tinham um produção diversificada, uma mistura de colheitas e gado em algumas dezenas de hectares de terra no máximo. Após a Segunda Guerra Mundial, a tecnologia permitiu aos agricultores cobrir mais terreno. Há duas décadas, as sementes geneticamente modificadas ajudaram os agricultores a crescerem ainda mais.

As fazendas cresceram e se especializaram. As operações em larga escala representam agora metade da produção agrícola dos EUA. Mas a maioria das fazendas, mesmo algumas das maiores, ainda são administradas por famílias.

Enquanto os tamanhos da fazenda saltaram, seu número caiu. De seis milhões, em 1945, existiam pouco mais de dois milhões em 2015. Número semelhante ao que haiva em meados do século XIX. A terra cultivada nos EUA caiu 24% para 370 milhões de hectares.

A Rússia, entretanto, passou ao longo do último quarto de século do maior importador de trigo do mundo para o maior exportador, diz Dan Basse, presidente da empresa de pesquisa AgResource Co., com sede em Chicago. Os agricultores russos plantaram ainda mais trigo no ano passado para tirar vantagem da recente valorização relativa do dólar americano. Isso incentiva os agricultores russos a exportar tanto trigo quanto possível por dólares, que se convertem em cerca de duas vezes o número de rublos que fizeram há três anos.

O forte dólar também torna competitivo os agricultores em outros países em relação aos EUA. "Como o dólar permanece forte, os agricultores norte-americanos não têm uma alavanca para puxar", diz Basse. "É um sangramento lento, não um corte para a jugular de uma só vez."

A administração Obama no ano passado acusou a China de subsidiar injustamente a produção de trigo e de limitar indevidamente as importações de grãos em detrimento dos agricultores dos EUA. O USDA, em outubro, disse que iria pagar mais de US $ 7 bilhões em assistência financeira no âmbito de programas existentes para ajudar os agricultores a sobreviver a crise atual.

Mostramos aqui no blog: EUA acusam China na OMC por pagamento de subsídios a agricultores

As exportações de trigo dos EUA na última temporada foram as mais baixas em quase meio século, embora os analistas do governo esperem que eles melhorem este ano. Basse diz acreditar que não será economicamente viável para os EUA exportarem trigo dentro de cinco anos.

Os economistas não esperam que a queda atual seja tão severa quanto a crise que atingiu o Cinturão Verde (Farm Belt) na década de 1980. Naquela época, os preços dos grãos despencaram após uma corrida na década anterior que estimulou os agricultores a expandir a produção, acumulando dívidas à medida que um superávit crescia. Os valores das terras agrícolas despencaram e as taxas de juros dispararam, provocando um colapso que forçou muitos agricultores e financiadores a sair do negócio.

Espera-se que os valores das terras agrícolas melhorem desta vez. Os rendimentos agrícolas atingiram recordes recentemente semelhantes aos de 2013, deixando muitos produtores capitalizados. As taxas de juros, embora prestes a subir, ainda estão perto de mínimos históricos. Embora as projeções para o endividamento entre os agricultores dos EUA de alta em 2017 pelo quinto ano consecutivo, eles também permanecem historicamente baixos.

Os custos de insumos agrícolas, como os fertilizantes, caíram, e os economistas prevêem uma pressão crescente sobre os preços das sementes e as taxas de arrendamento de terra. O aperto poderia aliviar se o mau tempo atrapalhasse as safras pressionando a demanda pelos estoques mundiais de grãos. Menos comunidades rurais dependem economicamente da agricultura hoje, o que poderia ajudar a isolá-los da recessão.

Para alguns, a queda é uma oportunidade. Agricultores com dívidas baixas e escala suficiente para lucrar com as colheitas recordes do ano passado poderiam estar em condições de alugar ou comprar terras de vizinhos em dificuldades.

Lee Scheufler, 65 anos, expandiu sua fazenda em Sterling quase 10 vezes ao longo dos anos, começando com 600 hectares quatro décadas atrás. Tendo se capitalizado em anos lucrativos, ele recentemente comprou e alugou terras de qualidade superior para substituir algumas de suas participações mais fracas.

"Tentamos posicionar-nos para quando o outro sapato cair", disse Scheufler, acrescentando que algum dia ele gostaria de passar sua terra para um produtor mais jovem que estava começando a cultivar, como um vizinho fez por ele.

Numa tarde fria em outubro, Scheufler dirigiu sua colheitadeira pelo primeiro campo que comprou. A garra gigante da máquina girou através de fileiras de soja dourada. Um falcão rodeou a máquina, procurando camundongos de campo expostos. Scheufler lembrou-se dos fazendeiros cujas terras comprou. A fazenda de Ted Hartwick, da família Matthews, dos Profits, a do seu pai. "Cada propriedade tem sua própria história", disse ele.

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No final dos anos 1970, ele se juntou a milhares de agricultores em Washington para uma manifestação pedindo ao governo que abordasse o problema dos baixos preços de grãos e a falência de fazendas. Como alguns, dirigiu seus tratores para o National Mall. O grupo tocava um sino a cada cinco minutos para simbolizar a taxa em que fazendas estavam fechando.

Ele tem sido lembrado desses dias muitas vezes este ano. "O potencial para uma grande crise é real", disse ele. "Se as coisas se mantiverem, você ainda não viu nada", diz ele.

Em Ransom, o Sr. Scott recorreu à assistência do governo para garantir alguma renda. Ele colocou 170 hectares em um programa de conservação ambiental do governo que paga aos agricultores para reflorestar em vez de cultivar grãos. Isso parecia ser a única opção dele depois de gastar cerca de US $ 6,50 por bushel em sementes, fertilizantes, combustível e pesticidas para cultivar trigo no ano passado apenas para ganhar US $ 2,90 por bushel. Durante a época de plantio no último outono, ele e seu pai de 82 anos reduziram o uso de fertilizantes e fizeram mais uma safra com um pulverizador de 20 anos com um motor desgastado.

Muitos de seus pares desistiram. Havia 28 alunos na classe do Sr. Scott na escola secundária de Ransom, quase quatro décadas atrás. A maioria eram filhos de agricultores. Este ano, há nove alunos na classe da escola. "As fazendas ficaram maiores para serem mais eficientes, mas causaram uma morte lenta dessas cidades", disse Scott.

O bar de Monty Roth foi rentável no ano passado. Ele disse que poderia fechá-lo este mês se as vendas não melhorarem. O petróleo, o outro grande negócio em Ransom, foi ferido pela queda nos preços desde o final de 2014. A maioria dos trabalhadores do petróleo deixou a cidade.

Em Great Bend, a 130 km a leste de Ransom, Les Hopkins vendeu recentemente sua concessionária John Deere após a queda nas vendas. Ele deixou de receber cerca de US $ 100.000 dos agricultores que financiaram máquinas e pagaram. "Esse dinheiro se foi", disse ele.

Banqueiros dizem que muitos agricultores estão queimando poupança para permanecer no negócio. Eles esperam que alguns se aposentem em vez de perder mais dinheiro. Jovens agricultores sem muita poupança são vulneráveis, assim como os grandes produtores que acumulam dívidas para expandir suas operações. Há ainda alguns presos por contratos de arrendamentos de vários anos em aluguéis elevados.

O trator de David Radenberg bateu durante a última safra de trigo na fazenda de 1000 hectares de sua família em Claflin, 150 km a leste de Ransom. Ele não tinha dinheiro para consertá-lo.

"Você quer chorar quando descobre quanto custa", diz ele. Radenberg decidiu vender o trator por US $ 10.500 e confiar em um modelo mais antigo ainda. Se os preços dos grãos permanecem fracos, a fazenda pode ser a próxima. Depois de 30 anos de cultivo, essa safra poderia ser sua última: "Eu vou trabalhar na Wal-Mart como um recepcionista ou como um homem de peças na loja mecânica?"

Porca tradução feita sob efeito de álcool do artigo Plowed Under: The Next American Farm Bust Is Upon Us publicado ontem no The Wall Street Journal. Se puder veja o original em inglês escrito por JESSE NEWMAN e PATRICK MCGROARTY. Repare nas belas fotos de Jesse Newman uma das quais ilustra este post chupinhado.

Gostaria de me congratular com os meus irmãos agricultores americanos. Sua angústia também é minha, embora a riqueza dos anos gordos esteja longe de ser.

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