Ongs reconhecem que Código Florestal precisa ser modernizado

Uma holding de ONGs congregando, dizem, mais de 2.000 organizações — confesso que não contei — prepararam um documento com "contribuições" ao processo de reforma do Código Florestal.

A holding preparou uma carta de encaminhamento das sugestões ao Presidente da República. Em anexo à carta há um documento de 24 páginas que delineia sugestões para o debate sobre o processo de reforma do Código Florestal. O documento é curioso.

Avaliação

Logo na introdução o documento se refere às alterações feitas no Código Florestal via Medida Provisória com o termo aprovado entre aspas. O que denota que as ongs tem pelo menos um noção da ilegitimidade das leis vigentes.

Em três pontos ao longo do texto há referência explicita à ineficácia da lei. O que denota que as ONGs têm clareza que a lei não protege nada. O mais engraçado é que as referências são sempre feitas com eufemismos. Na página 2 lê-se o seguinte: "As ongs [...], reconhecem a dificuldade de aplicação concreta do Código Florestal em boa parte dos imóveis rurais." Isso não deixa de ser um avanço.

Na página 3 há a seguinte assertiva: "Vários de nossos biomas já estão em situação crítica como a Mata Atlântica e o Pampa, o que ocorrera muito brevemente com o Cerrado e logo mais com a Caatinga." Ou seja, nossa legislação ambiental avançada é uma droga. Não protege nada.

Finalmente, na página 6 há o seguinte: "o relativo insucesso na aplicação do Código Florestal, [...] se reflete na excessiva dilapidação do patrimônio ambiental ...". Relativo insucesso e excessiva dilapidação, na minha leitura, são eufemismos para disfunção.

Além de reconhecer — embora com eufemismos — que o Código Florestal não funciona o documento trás outros avanços. Através da verdade revelada de que "já não faz mais sentido ter como única unidade de implementação o imóvel rural" o documento aponta para a aplicação do Código Florestal no nível de microbacia hidrográfica. Isso abre espaço para a utilização de 100% da área de alguns imóveis potencialmente mais produtivos e a conservação de 100% de outros ambientalmente mais significativos e menos competitivos dentro de cada microbacia. No geral, não é uma má idéia.

O documento não consegue escapar da esparrela do financiamento privado da conservação ambiental e isso não é um defeito apenas desse documento. Todo o debate sobre o código florestal parte da (pres)suposição de que sem as reservas legais privadas o equilíbrio ambiental constitucionalmente assegurado à sociedade (Art 225 da CF) torna-se impossível. Isso é um erro. O fato da vegetação nativa ser fundamental para a manutenção dos serviços ambientais não implica que seja necessário manter reservas privadas. Isso pode ser feito por outros meios. Na década de 30 isso podia fazer algum sentido, valia o uti possidetis, não existia a figura de reservas ambientais públicas e não era possível controlar a passagem de terras públicas para a esfera privada. Talvez o mais "sólido" argumento para as Reservas Legais é um silogismo errado.

O documento padece ainda de um outro vício do debate ambiental no Brasil, um maniqueísmo com um pé na velha visão esquerdista do mundo onde há grandes latifundiários capitalistas do mal destruindo e subjugando pequenos camponeses desvalidos do bem. Essa doença infantil do nosso ambientalismo enxerga inimigos onde devia ver aliados e aliados onde aliados não há. O texto das ongs, impregnado por esse tipo particular de maniqueísmo, é condescendente com a pequena agricultura familiar e rigoroso, até mesmo cruel, com a grande agricultura sem o empenho da qual não há politica conservacionista possível.

O texto trás algumas inovações pontuais, fruto da evidência de que o Código Florestal é uma lei ruim na medida em que não funciona, mas não consegue escapar dos paradigmas estabelecidos. É, portanto, tão ruim quanto o próprio Código Florestal.

Transformar o Código Florestal numa lei ambiental eficaz requer uma quebra de paradigma, requer uma (r)evoluão de conhecimento, requer novas formas de enxergar o problema.

Faça o download da carta de encaminhamento ao Presidente

Faça o download do texto das ongs

É necessário ressaltar que o texto foi disponibilizado na internet na sexta, 31 de julho. 5 horas depois ele foi retirado da rede para ser reavaliado e posteriormente republicado. É possível que haja alterações entre o texto aqui avaliado e o definitivo. Duvido que mude na essência.

Em tempo:
O INPE anunciu hoje que o desmatamento na Amazônia em junho de 2009 quintuplicou em relação ao mês passado.

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