Carta de Aldo Rebelo em repostas às mentiras da Folha de São Paulo sobre o Código Florestal

A verdade morro abaixo
O Código Florestal e as enchentes no Rio de Janeiro

Não é o Código Florestal Brasileiro que guarda relação com os fatos ocorridos na Região Serrana do Rio de Janeiro, como faz acreditar a matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, edição de 16 de janeiro (Revisão do Código Florestal pode legalizar área de risco e ampliar chance de tragédia).

A Lei Federal nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano - e que sequer foi mencionada na matéria - é o marco legal ao qual a matéria deveria se reportar.

É preciso deixar claro que o Código Florestal vigente no País e as mudanças em andamento na Câmara dos Deputados tratam apenas da ocupação de módulos rurais, deixando a questão urbana para a legislação específica.

Tanto o atual Código Florestal quanto o projeto por mim relatado apenas reproduzem dispositivos que destacam a diferença entre áreas destinadas à atividade rural daquelas indicadas para uso urbano, ou daquelas caracterizadas por uso urbano.


ENCOSTAS - A Lei federal estabelece que são os planos diretores municipais ou leis municipais que indicam as áreas destinadas a loteamentos e ocupações. A norma também proíbe o parcelamento do solo em regiões que ofereçam algum risco às atividades humanas, como "terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes" (art 3o).

O atual Código Florestal, que considera como Áreas de Preservação Permanente as encostas acima de 45º de declividade, não abrange as áreas indicadas na matéria (ilustração 1).

Ilustração 1: O erro da Folha: o Código Florestal não trata das áreas citadas na matéria.
E o projeto de lei que tramita na Câmara não altera esse dispositivo, conforme o quadro abaixo demonstra:

Código atual: Art. 10. Não é permitida a derrubada de florestas, situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a extração de toros, quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes.

Projeto de Lei: Art. 12. Não é permitida a conversão de floresta nativa situada em áreas de inclinação entre 25º (vinte e cinco graus) e 45º (quarenta e cinco graus) para uso alternativo do solo, sendo permitido o manejo florestal sustentável.

Não é verdade, portanto, que "o novo código libera" construções acima de 45° (ilustração 2).

Os autores da matéria deixaram de notar, por desleixo intelectual ou má-fé, que muitos pontos criticados em meu projeto de lei foram copiados literalmente da versão atual do Código. Os fraudadores haverão de explicar porque não os criticam na lei em vigor. A explicação é simples, embora humilhante: não leem, não pesquisam, portanto não sabem o que dizem.


Ilustração 2: Mais um erro da Folha: o Código Florestal e o projeto de lei consideram como áreas de preservação permanente as encostas acima de 45º de declividade e não "liberam", como quer o jornal, a ocupação dessas áreas.
E mais. Tanto o atual Código Florestal como o projeto de lei que o altera especificam que, na inclinação acima de 25º e até 45º (quando começa a Área de Preservação Permanente), a única atividade permitida é o manejo florestal. O uso do solo para fins agrícolas nessas áreas relaciona-se apenas com a silvicultura, nada mais.

TOPOS DE MORROS - No caso dos topos de morros, a matéria também veicula informações erradas.

O jornal não informa que a Lei federal nº 6.766/79 não permite o parcelamento do solo em "terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação" (art. 3). A legislação florestal também não permite e, tanto o Código Florestal atual quanto o projeto de lei são idênticos nesse aspecto:

Código atual: Art. 2º. Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º, equivalente a 100% na linha de maior declivel;

Projeto de lei: Art. 4.º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, pelo só efeito desta Lei:
V – as encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

A ilustração da Folha sobre esse tema também é simplista e equivocada (ilustrações 3 e 4). A casa idealizada pela Folha não seria permitida nem pelo atual Código, nem pelo projeto de lei em tramitação.

 Ilustração 3 A casa da ilustração da Folha é ilegal hoje e permanece ilegal no projeto de lei do Código Florestal 
Há duas falhas no desenho: parte da casa está numa encosta com mais de 45º; e, por estar numa formação de tabuleiro, a mesma só poderia ser construída no limite de 100 metros antes da linha de ruptura.

Ilustração 4: Exemplo de formação em tabuleiro com base plana, área protegida pelo Código e pelo projeto de lei.
Se, dentro de uma estreita possibilidade de se explorar o topo de morro para fins agrícolas, viesse tal área a ser inserida na zona urbana, e caso se pretendesse lotear e edificar a mesma, isso não seria permitido. Para atividade rural, sim, mas para fins urbanos, há proibição expressa, o que demonstra a impossibilidade de ocupação humana dessa área.

Ainda assim, houvesse qualquer dúvida de que as metragens e salvaguardas não fossem suficientes, tanto o atual Código Florestal quanto o projeto de alteração do mesmo permitem que o Presidente da República, o governador ou o prefeito, por simples decreto, transformem qualquer área em Área de Preservação Permanente. Compare-se:

CÓDIGO FLORESTAL ATUAL
Art. 3º. Consideram-se, ainda, de preservação permanentes, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
h) a assegurar condições de bem-estar público.

PROJETO DE LEI
Art. 6º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas pelo Poder Público em decreto que delimite a sua abrangência, por interesse social, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinada a uma ou mais das seguintes finalidades:
I – conter a erosão do solo;
III – proteger várzeas;
VII – assegurar condições de bem-estar público;

Lamentavelmente, a matéria se aproveita da tragédia para tentar criar dificuldades no aperfeiçoamento de uma legislação anacrônica, que coloca hoje na ilegalidade quase 100% das propriedades rurais do País, principalmente as pequenas, onde vivem e trabalham milhões de brasileiros.

O tipo de denúncia promovido por certos consultores e organizações não governamentais e acolhidos por jornalistas desavisados transforma-se em macarthismo ambiental, à semelhança da campanha contra os comunistas promovida pelo senador Joseph McCarthy nos anos 50, nos Estados Unidos, cuja ação dispensava qualquer tipo de prova ou verificação.

Aldo Rebelo

Comentários

Na carta do Aldo rebelo há um equívoco importante, pois na verdade a Legislação Ambiental (LA) aplica-se sim nas zonas urbanas.

Aliás, os chamados ruralistas deveriam exigir o cumprimento da LA nas áreas urbanas, pois ao sentir na pele os absurdos da LA, OS URBANOS MUDARIAM DE ATITUDE E PASSARIAM A APOIAR AS MUDANÇAS NA LA.

A divergência sobre o tema se deve à interpretação destoante de dispositivos do Código Florestal, principalmente do parágrafo único de seu artigo segundo, transcrito a seguir:

"No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo."

Para alguns, o mencionado dispositivo do Código Florestal imporia um patamar de proteção máximo (teto) a que se subordinaria o plano diretor.

Para outros, o Código Florestal simplesmente não se aplicaria às áreas urbanas, que seriam disciplinadas pelo plano diretor e leis de uso e ocupação do solo.

Na verdade, a doutrina majoritária abraça a visão conservacionista do Direito Ambiental, notadamente do Código Florestal. De acordo com esta corrente mais conservadora, o acima citado parágrafo único impõe um patamar de proteção mínimo previsto no Código Florestal e na LA. Os planos diretores e leis municipais poderiam apenas impor restrições adicionais.

Quem tiver dúvidas pergunte à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de SP.

Ocorre que a Lei é aplicada em alguns, mas não é aplicada na maioria dos municípios com a conivência de todos, inclusive dos falsos ambientalistas e dos Agentes do Estado, sob risco de incorrerem em hipocrisia e prevaricação.

Sem falar que as áreas urbanas eram áreas rurais.

Se a Lei vale para todos e querem aplicá-la nas áreas rurais, então tem obrigação de aplicá-la também nas áreas urbanas, pois a LA, na questão das APPs (áreas de preservação permanente), nunca fez distinção entre área rural e urbana, portando deveriam sim, ser cumpridas nas áreas urbanas.

Inclusive, se querem retroagir e recompor as áreas rurais, têm que recompor as APPs e RLs também nas áreas urbanas.

Isto é JUSTIÇA.

Cabe lembrar que ninguém produz se não houver quem compre, logo os reais causadores da devastação são os consumidores médios e ricos, que estão justamente nas áreas urbanas, que nada preservam e nada pagam pela Preservação necessária para compensar a Devastação causada por seu consumismo irresponsável.

O maior absurdo é que ainda hoje os empreendimentos nas áreas urbanas da maioria dos municípios NÃO RESPEITAM A LA, nem RLs, nem APPs, mas ninguém fala nada provando que o interesse não é preservar e sim prejudicar as atividades rurais.

Vinicius Nardi, por uma Preservação e Ocupação Justas e Sustentáveis.
Ana disse…
Boa tarde Sr. Aldo Rebelo
Sou da cidade de Fartura - SP. Tenho acompanhado seu trabalho pelo Brasil afora, inclusive na minha região, ouvindo dos próprios ruralistas, suas angústias, inseguranças e perseguições ambientais. Com toda certeza, o senhor é nossa esperança para um Brasil melhor e mais justo para todos.