Qual o preço dos conflitos causados por jacarés à população humana em uma comunidade ribeirinha da Amazônia? Pesquisadores do Instituto Mamirauá estão buscando respostas para essa e outras questões sobre a relação entre os moradores de uma unidade de conservação do Amazonas e os jacarés. Este é um dos trabalhos apresentados no 14º Simpósio sobre Conservação e Manejo Participativo na Amazônia, realizado até dia 7 de julho na sede do Instituto em Tefé (AM).
Os pesquisadores observaram que o principal prejuízo causado pelos jacarés é o econômico direto, que representou 60% das respostas dos entrevistados. Os outros 40% são de prejuízos não financeiros, como o ataque aos animais domésticos. Se forem contabilizadas as médias das perdas de todas as categorias avaliadas pelos pesquisadores, o prejuízo médio anual por pescador seria de cerca de R$600,00.
O valor é mesmo pago pelo Ministério do Meio Ambiente às famílias do projeto por meio do Programa Bolsa Verde. Ou seja, o Bolsa Verde só cobre o que os jacarés comem.
“Percebemos que os problemas principais que causam conflitos são a perda ou dano de apetrechos de pesca, a predação de animais domésticos e a perda de pescado”, contou Diogo de Lima Franco, pesquisador do Instituto Mamirauá. Foram contabilizados os grandes reparos aos apetrechos de pesca, que representariam o custo médio de R$ 625 por ano; os pequenos reparos, que representariam R$ 511 em um ano; e a perda total de redes de pesca, que representariam o prejuízo de R$ 1.470 ao pescador. Também foram contabilizadas as perdas de pescados que seriam comercializados, entre R$ 35 e R$ 300.
Estes dados compõem parte dos resultados de uma pesquisa mais ampla, de caracterização socioeconômica dos pescadores da reserva, a fim de delimitar estratégias para o manejo de jacarés. “É importante caracterizar essas questões de conflito que podem gerar dados para mitigar ou controlar esses conflitos futuramente. Uma forma é inserir esses custos de perda ou reparo de material na futura valoração dos produtos de manejo”, disse Diogo. A pesquisa continua sendo desenvolvida até 2018 e conta com o financiamento da Betty and Gordon Moore Foundation.
Manejo sustentável
A proposta de realização de manejo sustentável de jacarés no Amazonas não é recente. A partir de um estudo realizado em 1998, o pesquisador Ronis da Silveira já ressaltava que “o estado do Amazonas possui o maior potencial para ser o embrião do manejo desta espécie, em função das pesquisas aqui realizadas”. As informações estão no livro Conservação e Manejo de jacarés e crocodilos na América Latina. O Programa de Pesquisa em Conservação e Manejo de Jacarés do Instituto Mamirauá realiza pesquisas científicas, desde 2006, que demonstram que as populações de jacaré-açu (Melanosushus niger) e o jacaretinga (Caiman crocodilus) têm se mantido estável ao longo dos anos, em concentrações de até 250 animais por km em alguns locais.
Na legislação, a atividade já é autorizada para áreas de uso sustentável dos recursos naturais, como é o caso das Reservas de Desenvolvimento Sustentável. Legislações estaduais regularizam o manejo participativo do jacaré, dispondo sobre aspectos básicos do manejo, como a cota e tamanho mínimo para abate (resolução n°008/2011 do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas) e sobre as questões técnicas, estruturais e metodológicas do abate e do processamento das espécies (IN n°001/2011 da Secretaria de Estado de Produção Rural e Comissão Executiva Permanente de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Estado do Amazonas).
No entanto, para realização do manejo participativo comunitário os pesquisadores explicam que são necessárias algumas etapas precedentes. “O mapeamento participativo e as contagens comunitárias são processos que possibilitam o estabelecimento de critérios básicos para o manejo participativo. Para ter um sistema viável, é importante a participação de todos. E, junto a isso, estamos fazendo as pesquisas para gerar critérios técnicos e científicos que subsidiem o sistema de manejo”, comentou Barthira Rezende, também pesquisadora no Instituto.
O mapeamento participativo é realizado com participação dos moradores das comunidades ribeirinhas que indicam áreas de presença ou ausência de ninhos e de jacarés, que posteriormente são validadas pela equipe técnica e de pesquisa do Instituto. Estes dados corroboram a criação do zoneamento das áreas do sistema de manejo, estabelecendo áreas de uso e proteção, por exemplo.
Já a contagem é realizada para o estabelecimento da cota de retirada dos animais, além de subsidiar com informações sobre a população das espécies animais. Os comunitários estão sendo capacitados para que futuramente eles mesmos sejam os detentores deste conhecimento e possam repassar para outros comunitários envolvidos no manejo. As duas atividades estão sendo desenvolvidas no setor Jarauá, demarcação administrativa da reserva.
O manejo é apontado como uma estratégia para aliar conservação e sustentabilidade e manter a população natural das espécies, além de se configurar como uma fonte complementar de renda para os moradores que vivem nestas comunidades pertencentes à unidade de conservação.
Barthira enfatiza que o manejo só obterá resultados positivos se houver o envolvimento dos moradores da reserva em todas as etapas da atividade, garantindo a participação deles nas tomadas de decisão e na aplicação das estratégias de conservação das espécies. “As pesquisas têm demonstrado que é viável e que precisa ter o comprometimento da comunidade para manter isso. E o envolvimento deles tem sido grande. Com as informações que a gente tem tanto do mapeamento, quanto das contagens comunitárias, a participação dos comunitários nas atividades é satisfatória.”, completou a pesquisadora.
Essa pesquisa conta com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para pagamento de bolsas de estudo.
Com informações do Instituto Mamirauá e foto de Tomaz Silva, da Agência Brasil.
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