Código Florestal e desmatamento: Uma carta ao editor da Folha de São Paulo

Prezado Sr. Editor,
A utilização de jornais influentes junto à opinião pública brasileira urbana para construir sofismas deve ser tomada como um sinal de alerta. Expedientes como esse foram utilizados por Goebbels para manter a opinião pública alemã coesa em torno das sandices de Adolf Hitler. Seu editorial de hoje na Folha de São Paulo é uma mostra de como informações que apenas parecem verdadeiras podem ser utilizadas para manipular a opinião pública em favor deste ou daquele interesse.
Quero lembrar que, com o confortável distanciamento histórico do qual dispomos hoje, é obvio que os delírios de Hitler, propagandeados por Goebbels, eram medonhas monstruosidades, mas essa clareza não existia no calor daquele momento e muitos editoriais como o seu foram escritos na Alemanha, enquanto Hitler esmerilhava sua loucura.

O desmatamento na Amazônia é um crime que deve ser repudiado por toda a população e coibido pelo Estado, com toda força e rigor. Mas isso não o autoriza a utilizá-lo na construção de sofismas contra ou a favor de leis cujos problemas vossa senhoria ignora.
O aumento de 35% no desmatamento ao qual o Sr. se refere e em torno do qual constrói o sofisma do seu editorial deu-se sobre o número do ano passado que foi o menor desmatamento anual de florestas na Amazônia já detectado pelos sistemas de monitoramento. Apresentando apenas os 35% de aumento, sem fazer referência à base sobre a qual se deu esse aumento, o Sr. vende a ideia de que “se reverteu a tendência de queda” quando na verdade isso é uma mentira.
Nos últimos três anos o Brasil vem registrando taxas de desmatamento muito abaixo daquelas acordadas junto às instituições internacionais e caminha para a meta firmada mais rapidamente do que se planejou a principio. O seu editorial é falacioso.
Pior ainda constrói a relação espúria entre a falsa “reversão da tendência” e esforço democrático do Congresso Nacional de reformar o Código Florestal. Seu editorial silencia sob o fato de que o desmatamento ao qual o Sr. se refere (assim como todos os outros desde 1934) deram-se sob a vigência da lei que o parlamento brasileiro se esmera em modernizar.
O Sr mente diretamente quando afirma que a aprovação do Código Florestal na Câmara foi a “maior derrota do governo Dilma Rousseff no Congresso”. O texto aprovado na Câmara foi fruto de um acordo entre o Deputado Aldo Rebelo, relator da matéria, e três ministros do governo indicados pela Presidente Dilma para negociar o relatório: Wagner Rossi, da Agricultura, Afonso Florence, do Desenvolvimento Agrário e Izabella Teixeira, do Meio Ambiente. Acordo que teve indicação favorável da base do governo na Câmara. Os 411 votos favoráveis ao texto foram da base. Não da oposição. Mas o Sr. afirma o contrário em seu editorial.
O Sr. mente abertamente também quando afirma que “o novo código é acusado pelo MMA de incentivar o desmate.” A Ministra Izabella Teixeira nunca abriu a boca para fazer essa ilação. O que há são declarações irresponsáveis de alguns técnicos do IBAMA que estão mais para militantes de organizações não governamentais do que para técnicos de governo, de que existe relação entre as duas coisas. Mas nunca houve nada além de declarações irresponsáveis que comprovasse que o aumento inexistente no desmatamento seja causado pela expectativa do texto de Aldo Rebelo.
É consenso que o Código Florestal vigente precisa de uma revisão. Mas ninguém discute isso hoje, depois que o próprio processo de revisão retirou a capa de mentiras, muitas das quais sustentadas por jornais como o seu, que escondia uma lei que indiscutivelmente precisa de revisão sob a miragem de que tínhamos “a legislação ambiental mais moderna do planeta”.
O Brasil precisa de uma legislação moderna, que concilie preservação e produção. E tem potencial para as duas coisas. Mas a atualização do Código Florestal depende, também, de uma imprensa que possa pensar por si mesma, de jornais que consigam ser imparciais ao invés de apenas regurgitarem pautas alheias.
Antes do movimento de reforma da lei empreendido por Aldo Rebelo a sociedade brasileira estava tranqüila achando que tinha uma das mais modernas legislações ambientais do mundo. Muitos produtores rurais foram presos, multados, tiveram suas áreas embargadas, foram obrigados a destruir parte dos seus cultivos, alguns foram expulsos de suas casas, muitos venderam suas terras, enquanto o Sr. e seu jornal estavam a repetir o bordão da melhor lei ambiental do mundo e alheios à necessidade de reforma.
O sentimento cultivado no campo pela opressão dos órgão públicos ao brandir a lei “que precisa de reforma”, foi precisamente o que gerou os 411 votos favoráveis na Câmara que o Sr. se esmera em não compreender.
A crise em torno do Código Florestal é também uma evidência de problema no funcionamento da imprensa nacional, que se urbanizou junto com a população e perdeu a capacidade de ler corretamente o que acontece para além das áreas urbanas. A imprensa nacional trata o campo através do prisma mofado de grandes oligarcas latifundiários oprimindo camponeses indefesos. Esse rótulo há muito não se encaixa nos dilemas do campo, mas o Sr. e seus jornalistas não sabem como cobrir os temas não urbanos sem ele. Não é apenas o Código Florestal que precisa de reforma. Também os estereótipos empoeirados que o Sr., em particular, e a imprensa urbana, em geral, carregam sobre os dilemas do campo precisam de reforma.
O movimento ambiental aprendeu a tirar vantagem da sua fragilidade e o impinge a esmerilhar uma guerra entre o homem do campo, o brasileiro que construiu uma das mais fortes, modernas e impressionantes máquinas de produzir alimentos do mundo, contra o brasileiro urbano, legitimamente preocupado com o meio ambiente, com a saúde ambiental da Amazônia.  Sua ignorância sobre os problemas do campo, caro editor, está sendo usada.

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A carta se refere a um dos editoriais do Jornal Folha de São Paulo publicado no jornal de hoje, 05 de agosto de 2011.

Comentários

Concordo plenamente com o conteudo da carta e gostaria de ve-la repercutir por todo o pais e exterior. Ela retrata a verdade dos fatos. Precisamos de uma imprensa livre para que possamos voltar a ser cidadaos de primeira categoria e nao subalternos de sistemas totalitarios
Abracos, Tereza da Cruz Thompson
Luiz Prado disse…
A Folha de São Paulo é mesmo essa "coisa", fruto do autoritarismo paulistano!
Braso disse…
Parabéns Ciro, sua carta não tem o que tirar nem por, somos todos solidários, parabéns mais uma vez pela inteligencia e sensatez dessa carta e abaixo a imprensa vendida do Brasil.
Infelizmente, a verdade é que aqui no Brasil grande parte da imprensa não é confiável, pois distorce e manipula a informação, defendendo interesses particulares inconfessáveis.

Isto é péssimo para o Brasil.

Vinicius Nardi
Por uma Preservação e Desenvolvimento Justos, Sustentáveis e Eficientes
Ana disse…
Parabéns, Ciro Siqueira, pela carta.O Brasil precisa de homens decentes como você.Assim como, entre um prato de folhas de árvores e um prato de comida há diferença, você também faz a diferença. Muito obrigada!
Junior ou Juca disse…
Ciro boa tarde.
Achei desnecessaria a agressividade exagerada do seu texto. Vivemos um momento onde ter razão apenas não basta. Para o grande publico, importa muito a delicadeza ou sutileza na expressao das idéias. Sugiro pensar no assunto. Parabens pela sua importantissima atuação com relação ao tema e pela espetacular posição sobre o mesmo, afinal como vc diz, "Quem tem que preservar florestas a bem social é o Estado". Pena que as nossas lideranças ainda não abraçaram a idéia!
Gde abraço e tenha uma ótima semana,
Carlos Rochelle