Um estadista para uma Nação em frangalhos: Aldo Rebelo e o outro consenso, por Rosângela Bittar, no Valor Econômico


Desde os anos 70, quando presidiu a União Nacional dos Estudantes (UNE), tornou-se líder estudantil nacional e iniciou carreira política que já o colocou, até agora, em seis mandatos de deputado federal, um de presidente da Câmara e quatro vezes ministro de diferentes áreas (Esportes, Ciência e Tecnologia, Defesa e Articulação Política), Aldo Rebelo esteve no PCdoB. Ainda é seu partido, mas têm surgido sondagens sobre uma possível migração para o PSB, o partido de Miguel Arraes, de quem foi amigo e colega na Câmara, e de Eduardo Campos, de quem foi parceiro pelos laços familiares e convivência nos governos de que participaram. Sem contar os incontáveis amigos que tem no PSB dos Estados.

No entanto, permaneceu no PCdoB, onde ainda está. A hipótese de mudança surgiu de duas situações. Uma, por sua proximidade real com o PSB, embora o partido tenha, hoje, traços de perfil que o afastam, como, por exemplo, o fato de integrar o governo Michel Temer, a que Aldo se opõe radicalmente. Outro, a identidade política com o PSDB e com Marina Silva, dois projetos antagônicos ao que cultivou em toda a sua vida. Isso não significa um sim nem um não. É bem possível que existam e continuem as conversas com o partido de Arraes.

Outra razão que pode haver determinado a precipitação da ideia e do convite que vinham ainda muito encobertos, é que, em outubro do ano passado, o PCdoB fez uma reunião de toda a direção que terminou por convocar Aldo Rebelo a ser candidato a presidente da República, em 2018. Desejando fugir de alianças, a mais duradoura delas com o PT, os comunistas iniciariam, a partir das próximas eleições, uma temporada de candidaturas próprias. Aldo recusou pelo simples motivo de que o partido, como todos os demais, não tinha uma agenda a defender, e ele não percebeu como o projeto poderia andar adiante. Viu-se em uma situação difícil se a candidatura tivesse que ser retirada.

Tudo isso foi provocação suficiente, porém, para o começo de um projeto de discussão nacional sobre uma nova agenda, denominada de agenda do futuro, ou a formulação de um novo consenso. O consenso atual é o mesmo de quando Aldo ingressou no PCdoB. E assim ele o define: “Entrei no partido nos anos 70, e o conceito, o pensamento, a estratégia, eram repassados à sociedade pelos movimentos sociais, a correia de transmissão dessas ideias. O que acontece hoje é que a situação se inverteu. Os movimentos sociais e as corporações transformaram os partidos em correia de transmissão das suas plataformas”.

Uma inversão. Os partidos não são mais condutores de políticas e estratégias, eles são conduzidos pelas reivindicações e causas dos movimentos e das corporações. “Seja a corporação do Judiciário, a da educação, as corporações privadas, as públicas, as corporações de gênero e de raça. Uma agenda de causas”. O que não exclui que partidos apoiem reivindicações específicas de categorias ou de setores sociais prejudicados ou vulneráveis.

De certa forma, o ex-ministro vinha fazendo referência a essas questões em artigos, palestras e entrevistas até se ver diante da convocação do PCdoB para disputar a Presidência. “Essas eram razões pelas quais julguei que não deveria ser candidato”.

Ato seguinte, Aldo decidiu direcionar suas energias para o novo debate, de uma agenda que considere as contingências da realidade mas olhe para a frente. Na reunião com o PCdoB, após sua convocação, Aldo citou um espanhol que diz que, passeando pelas ruas de Paris, só se identificava com as estátuas, e fez o paralelo: “Às vezes, andando por São Paulo, me identifico com as estátuas, uma delas a dos Bandeirantes” (o Monumento às Bandeiras, de Brecheret, alvo preferido dos pixadores). Não apenas os partidos, como todas as instituições, foram tomadas pelas causas”.

Está encerrada a conversa com o PSB?

“Eu estou no PCdoB”, diz Aldo, completando que candidatura não é o tema imediato mais importante da política. Apreciador de metáforas da bola, o momento atual, para ele, não é de se discutir a partida nem o campeonato, mas de discutir o futebol. Lembra um diplomata ensaísta mexicano que propôs, nos anos 30, uma máxima, quase um verso, apropriada para este momento: “O que está longe, nos cura do que está perto”.

A ilustração é o segredo dos marujos: quando estão no meio da tormenta, para não ficarem mareados, não olham para o casco do navio, erguem os olhos para o horizonte. “Na política, em certos momentos, não é que se despreze a conjuntura, mas se só olharmos para ela, se não olharmos para o horizonte, perderemos o rumo. Temos que olhar para o horizonte para frente e para trás. Para trás porque é importante ver como o Brasil contornou os momentos cruciais. Veremos que o Brasil é um milagre da geopolítica, da geografia, da sociologia”.

Com uma realidade de conjuntura tão avassaladora, como a que sufoca a política, o Congresso, os governos, o judiciário, como debater um novo consenso? “É preciso ter uma âncora”, afirma. O destino do país, diz, não pode ser entregue ao Judiciário de primeira instância, ao Ministério Público e à Polícia Federal. Eles têm papel a cumprir, importantíssimo. Mas não de se assenhorearem do destino da sociedade. E nem a política pode ficar subordinada à agenda dessas instituições”. A proposta não é de se criar um novo antagonismo, é primeiro fazer existir a agenda do futuro, depois estabelecer o primado de uma sobre a outra. Se ninguém fizer nada, o que acontecerá?

“Aí, sim, iremos para uma disputa em 2018 pautada por duas voltas, a do tempo do Lula ou a do tempo de Fernando Henrique: ou é o Lula candidato ou alguém apoiado por ele, ou alguém apoiado por Fernando Henrique para voltar ao seu tempo, como se não houvesse outra alternativa”.

O Congresso, mesmo assediado pela difícil agenda das reformas e pela pressão policial-jurídica, não tem, na sua opinião, como ser excluído dessa discussão. Rebelo sairá pelo pais em debates, reuniões e conversas com grupos, já tem cinco ou seis desses encontros marcados em diferentes Estados. Ontem esteve em Maringá falando para um auditório de 1400 advogados e estudantes de direito.

“Como dizia o saudoso senador Teotônio Vilela, o barro é esse. Não tem outro. Se quer construir alguma coisa pode fazer o tijolo que o barro é esse. O Congresso é esse, o Judiciário é esse, as instituições são essas. E com esse barro nós ergueremos o Brasil”. O nome disso? O outro consenso.

“Esse consenso atual, do politicamente correto, dos direitos civis, é o ostensivo. O ouro existe enterrado, sob placas tectônicas de interesses corporativos”.

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