Terrorismo ecológico: Cientistas explicam como o medo ajuda a proteger o meio ambiente

Um estudo publicado ontem na revista “Nature Communications” mostra como o medo despertado por grandes predadores inibe a devastação causada por suas presas à vegetação e ao mar, impedindo o desequilíbrio da cadeia alimentar. Pesquisadores da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, perceberam que a caça promovida por guaxinins está contribuindo para o sumiço de aves canoras, caranguejos e algumas espécies de peixes nas ilhas da Colúmbia Britânica, no Canadá. Seu comportamento atrevido é motivado pela ausência de grandes carnívoros, já que lobos e pumas foram dizimados na região há mais de 70 anos.

Para inibir os guaxinins, os cientistas espalharam pelas ilhas alto-falantes com o som dos antigos predadores — alguns comuns, outros raivosos. Foi o suficiente para que os “soberanos” locais diminuíssem significativamente o seu tempo de caça e passeio a céu aberto. O medo repercutiu no ecossistema. As populações de peixes, agora menos perseguidas, voltaram a crescer.

"Observamos surtos populacionais de herbívoros como veados e alces e predadores menores, como coiotes e guaxinins. Estas espécies diminuem significativamente a diversidade e abundância das plantas e animais que consomem, porque não existe mais aquela criatura maior que os mantinha sob controle", destaca Justin Suraci, pesquisador canadense e coautor do estudo.

Suraci revela que a inspiração para sua pesquisa veio de um projeto de reintrodução de lobos no parque americano de Yellowstone, em 1995. Ao perceber o estado miserável dos campos da região, a baixa estatura da floresta e o desaparecimento de diversas espécies, os administradores da unidade de conservação enviaram matilhas de lobos para conter a ampla população de alces. Estes herbívoros passaram a evitar locais onde estariam mais expostos, como os vales dos rios, possibilitando a regeneração destas áreas. Em alguns trechos, o tamanho das árvores quintuplicou em apenas seis anos, atraindo aves e castores, famosos por criar “represas” em rios, que se transformam em habitat para outros animais, como os patos e diversos anfíbios e répteis. Os ursos apareceram para aproveitarem a carne dos coiotes mortos por lobos. Livres dos antigos predadores, coelhos e ratos saíram da toca, chamando a atenção de águias e raposas.

O solo, agora menos explorado pelos alces, recuperou força e realçou o formato dos rios, que antes pareciam mais divididos e com aparência de fileiras dispersas. A floresta recomposta protegeu as nascentes e cabeceiras. Todos ficaram mais felizes com o terrorismo e o medo dos lobos, exceção feita aos alces.

Ecólogo do Departamento de Biologia da PUC-Rio, Henrique Rajão concorda com estudo. "O medo faz parte da predação, que é um dos componentes essenciais para preservarmos a biodiversidade", explica.

Os pesquisadores admitem que a valorização dos grandes carnívoros ainda não é um consenso na comunidade científica. Há quem acredite que um processo de regeneração como o observado em Yellowstone pode ser atribuído à caça aos animais que desequilibram a cadeia alimentar, e a diversos fatores ambientais, como a frequência e a duração de estiagens.

No entanto, Liana Zanette, coautora do levantamento canadense, considera urgente a reintrodução de grandes predadores em todo o planeta. "Mostramos que o medo provocado pelos grandes carnívoros em outras espécies é uma força muito poderosa e que leva a efeitos em cascata. Se os predadores tivessem uma chance para matar as espécies que destroem o ecossistema, a história seria diferente", diz a pesquisadora.

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